Consequências do avanço dos BRICS. Por J. Carlos de Assis

Consequências do avanço dos BRICS. Por J. Carlos de Assis

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Escrevi no fim do ano passado um livro, “A Economia Brasileira Como Ela É”, rememorando quatro décadas de subordinação do Brasil a políticas do Fundo Monetário Internacional. Foram anos trágicos para a sociedade brasileira. Regredimos em quase todos os campos, exceto por alguns avanços conjunturais na área social nos governos do PT. Mas não se criaram, mesmo nesse período, fundamentos permanentes para a política social e a infraestrutura econômica. Com isso, o governo Bolsonaro ficou com as mãos livres para radicalizar nas políticas regressivas do neoliberalismo.

Por coincidência, meses atrás, o governo argentino tomou a iniciativa que aponto, no livro, como única saída para que o Brasil quebre as cadeias de um estrangulamento econômico de fundo essencialmente ideológico: rompeu com o FMI, e busca aderir ao BRICS. É uma virada histórica, que poderá arrastar para um destino de retomada para a prosperidade toda a América Latina. Para o Brasil poderá ser um momento fantástico, a despeito da regressão de Bolsonaro e Guedes, pois as condições internacionais também nos empurram para uma ruptura com as ideias anacrônicas do FMI.

É que a guerra na Ucrânia coloca para nós a inevitabilidade de nos aproximarmos dos BRICS, por uma razão contraditória: investimos em excesso no agronegócio, nos tornando dependentes dele, e, agora, em plena crise mundial de grãos, temos que contar com a oferta de fertilizantes russos (e, eventualmente, também ucranianos, se conseguirem nos exportar) para continuarmos a plantar. A oferta mundial de insumos agrícolas é limitada. Os russos, a despeito de todas as sanções que lhes estão sendo impostas pelo ocidente, nesse campo dão as cartas.

Bolsonaro, que não é propriamente um gênio estratégico, ficou prisioneiro de bases políticas primitivas: seus principais apoiadores são os homens do agronegócio, oportunistas e sem escrúpulos quanto a interesses nacionais, sendo completamente indiferente às razões geopolíticas que justificam as sanções que o governo Joe Biden impõe à Rússia. Com isso, portanto, não há como o Brasil acompanhar de olhos fechados as sanções ocidentais contra ela. A consequência é a adesão plena aos BRICS, reforçando, com a Argentina, a atração da América Latina para o bloco.

Não esperava que meu livro poderia sair numa hora mais oportuna. Claro, não estou satisfeito com isso porque a oportunidade vem com uma guerra que é fruto de um erro de cálculo de Vladimir Putin em relação à capacidade da Ucrânia de resistir a uma invasão. Com essa resistência, a guerra pode durar anos, reconfigurando completamente a geopolítica mundial. Uma de suas consequências imediatas é a volta da Guerra Fria. Dessa vez, porém, ficamos ao menos entre orientais e ocidentais, o que não é um mal: saímos da órbita secular do domínio exclusivo norte-americano.

Escrevi o livro pensando num acerto de contas com os neoliberais. Nesse caso, foi uma iniciativa conjunta com o grupo de economistas do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD) e da Teoria Monetária Moderna (TMM), que trouxeram para o Brasil o que há de mais avançado nos Estados Unidos em termos de propostas fiscais-monetárias, em contraposição às sugestões anacrônicas do Fundo. São as políticas inspiradas nessas propostas que nos poderão tirar de uma crise fiscal-monetária inventada por economistas conservadores, cultores do neoliberalismo.

Dilma no primeiro dia como presidenta do Banco do BRICS

Em essência, a TMM nos diz que o Estado nacional não tem limites para gastar em sua própria moeda desde que a economia tenha recursos suficientes para atender à demanda em insumos para bons projetos governamentais e privados. Isso rompe com um dos maiores preconceitos fiscais difundidos pelo neoliberalismo, e que está na origem de nosso atraso econômico. Submetido a preconceitos como este, os governos anteriores paralisaram investimentos prioritários (Comperj, Abreu e Lima) e o governo Bolsonaro mandou fechar a única fábrica de semicondutores do Hemisfério Sul.

A paralisação do Comperj e de Abreu e Lima, em 2016, está nos custando agora uma tremenda escassez de derivados de petróleo, sobretudo de diesel. O fechamento, por Paulo Guedes, por medida de economia, do Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Avançada) -, a única fábrica de microprocessadores do Hemisfério Sul, instalada no Rio Grande do Sul -, não só nos deixou privados de microchips, essenciais para a construção de bens e serviços eletrônicos, como nos colocou na mesma condição de muitos outros países onde se quebrou a cadeia produtiva desses elementos industriais.

Todas essas políticas regressivas serão revertidas agora. O presidente Lula, com sua aproximação estratégica e pragmática com a China, na atual viagem está buscando alternativas para a retomada do desenvolvimento industrial e o progresso tecnológico do Brasil. Há imensas potencialidades também no campo agrícola, de forma a nos colocar entre os primeiros, se não formos o primeiro exportador mundial de produtos alimentares, além do agronegócio e dos minerais. Assim, os horizontes nos estão abertos, caso não continuemos arrastados pelo canto de sereia do neoliberalismo.

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