Um constrangimento acontecido em 1967 pode ajudar a entender, sob os mais variados pontos de vista, inclusive o psicanalítico, o que ocorre hoje, 56 anos depois, no embate entre Lula e Roberto Campos Neto em torno dos juros altos.
É uma história que pode explicar por que Campos Neto não pega o boné e vai embora, livrando-se do risco de ficar marcado como o sabotador da economia brasileira.
Essa é a história. No início de 1967, o ditador Castelo Branco, às vésperas de passar o governo para Costa e Silva, escalou uma alta autoridade da área econômica para conversar com o seu sucessor.
Castelo pediu que o emissário explicasse em detalhes os capítulos econômicos da Constituição a Costa e Silva.
Lá se foi o explicador, que começou alertando o futuro chefe da ditadura para o risco de assumir e substituir o presidente do Banco Central, como anunciavam os boatos em Brasília.
Sentindo-se seguro como autoridade no funcionamento do BC, o enviado teve a petulância de dizer ao general, como se fosse um professor de quinta série diante de um colegial:
– O Banco Central é o guardião da moeda.
Costa e Silva não gostou e retrucou na hora:
– O guardião da moeda sou eu.
O emissário de Castelo Branco conta o que aconteceu depois:
“Costa e Silva desconsiderou os mandatos (dos presidentes do BC). Pouco a pouco, o Conselho Monetário Nacional, pela expansão do número de membros, teve suas reuniões transformadas em comícios, e sua presidência em cargo de alta rotatividade, em tudo condizente com a casa da tolerância monetária em que o Banco Central se transformou”.
O mensageiro que contou essa história era o economista Roberto Campos, avô do hoje presidente do BC.
Campos ocupava o Ministério do Planejamento de Castelo Branco. Dois anos antes, havia ajudado a criar o Banco Central.
Pois Costa e Silva desconsiderou seu conselho, mandou Denio Chagas Nogueira embora do BC e escalou Ruy Aguiar da Silva Leme para o cargo.
O avô de Bob Fields Neto relembra os fatos, com queixas diretas aos militares, em “Antologia do Bom Senso” (Editora Topbooks, 1996).
O grande pensador do liberalismo brasileiro afirma no livro que o BC nunca teve respeitada sua independência, fixada em lei, em relação ao governo.
Mas a lei 4.595/64, que cria o banco, não fala em autonomia nem em independência. A autonomia só vai acontecer, por lei aprovada pelo Congresso, em 2021.
Durante o governo de um tenente, o neto quase desconhecido antes de chegar ao BC conseguiu o que o avô poderoso não havia conseguido com os generais.
Roberto Campos nada podia fazer para impor o BC autônomo na ditadura que ele ajudava a manter.
O neto impõe a autonomia e enfrenta, na democracia, o presidente que não o indicou para o cargo e não pode mandá-lo embora.
O avô perdeu o emprego assim que Costa e Silva assumiu. O neto tem mandato até dezembro de 2024 e só cai fora se quiser ou for derrubado por decisão de Lula, se o presidente tiver depois o improvável aval do Senado.
Bob Fields Neto pode estar tentando, talvez sem querer, uma vingança em nome do avô morto que se considerava pai ou dono do Banco Central.
O que todo mundo sabe é que o neto vem obtendo sucesso como emissário e guardião das moedas da direita e dos grileiros da Faria Lima.
*Moisés Mendes/DCM