O deputado Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP), herdeiro da “família real” brasileira, quer acabar com a Justiça do Trabalho e, consequentemente, com a capacidade do Estado de combater o trabalho análogo à escravidão. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) defendida pelo monarquista conta, até o momento, com a assinatura de 66 parlamentares.
Dentre os apoiadores da medida, vinte pertencem à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Entre eles, estão diretores da bancada ruralista: a coordenadora de Alimentação e Saúde, Bia Kicis (PL-DF), e o coordenador de Segurança no Campo, Marcos Pollon (PL-MS). Dos 66 assinantes, 43 são do PL, de Jair Bolsonaro. O restante, de partidos apoiadores do ex-presidente.
A proposta – denominada por Bragança de “modernização da Justiça” – foi apresentada no mesmo mês em que diversos flagrantes de trabalho escravo vieram à tona. Em 22 de fevereiro, uma ação conjunta da Polícia Rodoviária Federal (PRF), da Polícia Federal (PF) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), com apoio da Justiça do Trabalho, resgatou 207 trabalhadores que prestavam serviços para as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, no Rio Grande do Sul. Dias depois, 85 trabalhadores – incluindo 11 adolescentes – foram resgatados em arrozais de Uruguaiana (RS), que forneciam sementes e grãos para a Basf. Ao todo, o estado bateu o recorde de 303 trabalhadores resgatados só nos três primeiros meses de 2023. O número representa 33% das 918 apreensões registradas entre janeiro e março, o maior índice dos últimos 15 anos.
Armamentistas e ruralistas no topo da lista
Pelo menos nove dos deputados que apoiam o PEC de Bragança receberam doações de empresários da indústria armamentícia. Entre os ruralistas da bala que apoiam o projeto está Marcos Pollon (PL-MS), fundador do Proarmas, associação defensora do armamento civil. Ele é diretor de Segurança no Campo da FPA.
Também representam essa faceta armamentista da bancada ruralista a coordenadora de Alimentação e Saúde da frente, Bia Kicis (PL-DF), a coordenadora jurídica, Caroline de Toni (PL-SC), e o ex-coordenador de Defesa Sanitária, Domingos Sávio (PL-MG). A lista tem ainda a deputada Carla Zambelli (PL-SP), também da FPA. A deputada apontou um revólver contra um cidadão às vésperas das eleições e foi obrigada a entregar suas armas em dezembro de 2022, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).
O interesse do agronegócio na questão também está explícito no apoio do ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles. Eleito pelo PL de São Paulo, ele recebeu financiamento maciço de usineiros, conforme apontado no último episódio da série De Olho no Congresso. O setor sucroalcooleiro tem um histórico de litígios na Justiça do Trabalho: os usineiros foram os principais responsáveis por atuação de trabalho análogo à escravidão em 2022. Dos 2.575 trabalhadores encontrados nessas condições, 14% atuavam em canaviais.
Doadores milionários acusados de trabalho escravo
Oito dos 60 maiores doadores individuais nas eleições de 2022, o “clube do milhão”, estiveram envolvidos em acusações de trabalho análogo à escravidão. Foram R$ 12,6 milhões destinados, principalmente, para políticos bolsonaristas. Somente o ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu R$ 2,55 milhões de empresários escravagistas.
Entre os congressistas, muita gente recebeu esse tipo de financiamento. O deputado Fernando Coelho Filho (União-PE), filho do ex-senador pernambucano Fernando Bezerra Coelho, recebeu doações de Emival Caiado, primo de Ronaldo Caiado, governador goiano e correligionário da família Coelho. Vinte e seis trabalhadores foram libertados da fazenda do pecuarista no Tocantins. O pai de Fernando Filho, quando senador, tentou tirar Caiado da lista suja.
Historicamente, muitos parlamentares já foram flagrados com trabalho escravo em suas fazendas: entre eles o ex-presidente da Câmara Inocêncio Oliveira, de Pernambuco; o carioca Leonardo Picciani; o paulista Beto Mansur; o capixaba Camilo Cola; o roraimense Urzeni Rocha, o alagoano e usineiro João Lyra. Esses já não estão no Congresso. Cola e Lyra já morreram. Mas o matogrossensse Jayme Campos continua no Senado. Ele pertence ao partido União Brasil e preside o Conselho de Ética.
Marcelo Castro (MDB-PI) também continua no Senado. O ex-ministro da Saúde recebeu doações da Construtora Jurema, pertencente a seus irmãos, que mantinha, em 2011, seis trabalhadores em condições análogas às de escravo em uma obra na rodovia BR-343. Os dois, Castro e Campos, são integrantes históricos e hoje vogais da FPA, cargo destinado aos membros mais antigos da frente.
Além deles, o pai do deputado André Fufuca (PP-MA) já esteve na chamada “lista suja” do trabalho escravo e sua colega de bancada Roseana Sarney (MDB-MA) vetou, como governadora, projeto de lei que combatia a escravidão, sendo o Maranhão um dos principais exportadores de mão-de-obra escravizada.
Indústria de armas e celulose doou para o príncipe
As armas estão no caminho de Luiz Philippe de Orleans e Bragança. Durante sua campanha à reeleição, em 2022, o deputado monarquista recebeu uma doação de R$ 50 mil de Antonio Marcos de Moraes Barros, ex-presidente da Companhia Brasileira de Cartuchos. Outros R$ 50 mil vieram de um representante do agronegócio, Jorge Feffer, dono da Suzano Papel e Celulose. Em março de 2022, a gigante dos eucaliptos foi acusada de arrendar uma fazenda em Cidelândia, no Maranhão, onde trabalhadores que tentaram fugir foram alvejados com disparos de arma de fogo. Um deles recebeu um tiro na nuca.
Integrante da FPA, o deputado não declarou propriedades rurais à Justiça Eleitoral. Seu patrimônio soma R$2,5 milhões, sendo 88% desse total em ações, depósitos e aplicações financeiras.
Luiz Philippe foi um dos incentivadores à vinda de Portugal do coração de Dom Pedro I para as comemorações de 200 anos da Independência do Brasil. Cinco décadas antes, nas festas dos 150 anos, o ditador Emílio Médici trouxe o corpo do mesmo imperador para exibi-lo num mausoléu no bairro do Ipiranga. Assim como na ditadura civil-militar, Jair Bolsonaro recebeu os restos mortais do imperador como uma salva de canhões.
*Por Luís Indriunas e Alceu Luís Castilho
*De olho nos ruralistas