Os dados sobre produtos do Ministério Saúde incinerados desde 2019, no começo da gestão Bolsonaro, foram obtidos via Lei de Acesso à Informação.
O governo Jair Bolsonaro (PL) incinerou medicamentos usados no tratamento de doenças raras e de alto custo, avaliados ao todo em pelo menos R$ 13,5 milhões.
Há na relação de itens perdidos duas doses do Spinraza, cada uma comprada por R$ 160 mil pelo governo federal. Usada para pacientes com AME (atrofia muscular espinhal), a terapia é uma das mais caras do mundo.
Associações de pacientes dizem que o estoque perdido mostra má gestão do governo Bolsonaro. A falta do tratamento pode levar pacientes à morte, afirmam ainda as mesmas entidades.
Os dados sobre produtos do Ministério Saúde incinerados desde 2019, no começo da gestão Bolsonaro, foram obtidos pela Folha via Lei de Acesso à Informação. O mesmo material mostra que, até o começo deste ano, a pasta deixou vencer 39 milhões de vacinas contra a Covid-19.
Excluindo as vacinas contra a Covid, os dados compartilhados pela Saúde apontam que já foram descartados produtos avaliados em R$ 214,2 milhões desde 2019 (valor que inclui imunizantes contra outras doenças). Outros insumos, de mais R$ 38 milhões, ainda estão na fila da incineração.
Entre os itens perdidos estão vacinas de diversos tipos -contra sarampo e rubéola, pentavalente, hepatites e tríplice viral–, além de medicamentos contra câncer, hepatite C e outras doenças.
Também foram inutilizados testes e medicamentos destinados a pessoas que vivem com HIV avaliados em R$ 8,5 milhões.
O governo Bolsonaro apresentava como uma de suas bandeiras o cuidado com as doenças raras. Em 2021, o Ministério da Saúde lançou a nova mascote do SUS, identificada como Rarinha, em cerimônia com a então primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Entre os medicamentos para doenças raras, foram descartadas ainda 949 unidades do Translarna, produto usado para pacientes com distrofia muscular de Duchenne, que causa degeneração muscular progressiva. Esses lotes custaram R$ 2,74 milhões no total.
Os dados sobre estoques da Saúde estavam sob sigilo desde 2018. No fim de fevereiro, a CGU (Controladoria-Geral da União) recomendou revisão dessa reserva. A pasta comandada por Nísia Trindade liberou, por enquanto, a relação de produtos descartados.
“Ver essa lista de medicamentos descartados é extremamente decepcionante, pois a gente passa por muitas dificuldades para o paciente receber o tratamento”, afirma a vice-presidente do instituto Vidas Raras, Amira Awada.
Ela diz ainda que o Judiciário é “desrespeitado” com a perda dos produtos, pois muitos tratamentos são comprados pelo SUS após decisões da Justiça.
“A gente está falando de doenças degenerativas, que podem levar o indivíduo à morte sem o medicamento no momento adequado. Em tratamentos de uso contínuo, sempre há um agravamento da doença com a interrupção, e essa piora não é recuperada”, afirmou ainda Awada.
Os dados apresentados pelo Ministério da Saúde não permitem afirmar que a totalidade dos produtos foi descartada por causa do fim da validade. Em alguns casos, medicamentos podem ter sido reprovados em testes de controle de qualidade ou inutilizados por causa do armazenamento incorreto.
Integrantes do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmam, porém, que a maior parte dos insumos foi incinerada após o fim da validade. Além disso, dizem que outros produtos podem estar vencidos no estoque e ainda serão encaminhados para o descarte.
O governo federal também incinerou medicamentos para diferentes tipos de mucopolissacaridose, avaliados em cerca de R$ 2,9 milhões.
Esse tipo de doença pode causar limitações em articulações, problemas respiratórios e cardíacos, hérnias, entre outras dificuldades, além de levar à morte prematura.
Moysés Toniolo, representante da Anaids (Articulação Nacional de Luta contra a Aids), afirma que há drogas usadas por crianças que vivem com HIV entre os itens descartados, além de produtos de alto custo.
*Folhapress