A PGR (Procuradoria Geral da República) ameaçou pedir intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro após o governo Cláudio Castro (PL) ter descumprido decisão do STF sobre a instalação de câmeras nos uniformes dos policiais.
A ameaça foi feita pelo subprocurador Humberto Jacques de Medeiros, representante da PGR em audiência de conciliação realizada pelo STF em 16 de fevereiro, segundo confirmaram ao UOL quatro fontes presentes na reunião.
Medeiros indicou que o governo do RJ age no limiar do que poderia ser considerado má fé e que, nesse caso, a possibilidade de intervenção federal estava na mesa da PGR. Ele também citou a possibilidade de enquadrar o descumprimento pelas autoridades do Rio como crime de desobediência.
Em fevereiro de 2022, o plenário do STF determinou que o RJ instalasse em seis meses câmeras nos uniformes de todos os policiais, além de microfones e equipamentos de GPS nas viaturas. Até hoje a ordem não foi cumprida –já são ao menos oito meses de atraso.
A sessão —cujo conteúdo está sob sigilo— correu no âmbito da chamada ADPF 635, ação proposta ao Supremo que discute a inconstitucionalidade da política de segurança pública do RJ. A partir dessa ação, o STF restringiu operações policiais em comunidades do estado.
O que diz a gestão Castro. O governo do RJ nega ter desrespeitado ordem do STF e afirma cumprir todas as decisões judiciais. Sobre a colocação de câmeras em fardas de policiais de unidades especiais, como o Bope e a Core, o estado diz que “está seguindo o cronograma”.
O governo também nega ter descumprido prazos, sob o argumento de que entrou com recurso contra a decisão do STF.
Já a PGR disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comenta as tentativas de conciliação. O UOL apurou que o motivo é que existem cláusulas de confidencialidade definidas em lei.
A Constituição prevê a possibilidade de intervenção federal em estados caso haja descumprimento de decisão do STF —caberia à PGR propor uma ação no Supremo pedindo que a intervenção seja decretada.
Sem prazo para câmeras
O clima da audiência comandada pelo juiz federal Mateus de Freitas Cavalcanti Costa, auxiliar da presidência do STF, foi tenso. O RJ foi representado por um integrante da PGE (Procuradoria Geral do Estado) e por membros de segundo e terceiro escalões da PM e da Polícia Civil.
Participantes reclamaram do despreparo dos representantes do estado, que não conseguiram responder a perguntas básicas, como os prazos para a implantação das câmeras.
As autoridades apontaram supostos riscos de colocar câmeras nas fardas de policiais de unidades especiais. Entre eles, o eventual vazamento das imagens, que poderia expor táticas usadas pelos agentes —a custódia das imagens é responsabilidade do próprio governo do estado.
Em razão da falta de informações, o STF determinou que o estado do RJ apresente, até a próxima semana, um cronograma detalhado da implantação das câmeras e que responda a questionamentos feitos pelo PSB e pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, autores da ADPF.
Castro recusou câmeras no Bope e na Core
O governador já repudiou publicamente a instalação de câmeras em unidades especiais das polícias. Em entrevista após sua posse, ele prometeu “recorrer em todas as instâncias” contra a ordem do STF.
Nós do governo do estado somos radicalmente contra. Vamos recorrer até o fim, lutaremos judicialmente em todas as instâncias para que essas câmeras não sejam colocadas.”Cláudio Castro (PL), governador do RJ
Eu sempre disse que eu era radicalmente contra as câmeras nos batalhões de operação, especialmente os batalhões especiais. Nós não temos maturidade como sociedade ainda nem de guardar coisa em segredo de Justiça, imagina imagem que coloque a vida do policial em risco.”
A resistência do estado em implantar câmeras nas fardas de agentes que efetivamente participam de operações ficou clara desde o início do projeto.
Embora o STF tenha estabelecido que deveriam ser priorizados batalhões e unidades com alta letalidade, a PM começou a implantar em março de 2022 as câmeras em nove unidades —quatro delas na zona sul da capital, área com os menores índices de letalidade no estado. Apenas duas dessas unidades figuram entre as dez mais letais, segundo documentos contidos na própria ADPF.
Em petição enviada ao STF em dezembro, a PM afirmou que 8.945 câmeras foram instaladas nas fardas de seus agentes —a corporação tem 43.992 policiais, segundo o Caderno de Recursos Humanos do estado daquele mesmo mês.
O RJ ainda afirmou que todos os batalhões convencionais já receberam câmeras, mas não garante que todos os policiais dessas unidades já utilizem o equipamento. Também não soube dizer se foram priorizados setores responsáveis por operações em favelas.
Em São Paulo, a implantação de câmeras nas fardas de PMs reduziu em 80% a letalidade no primeiro ano de utilização, conforme mostrou o UOL.
*Com Uol