Funai recebeu em média cinco alertas por mês em 2022 sobre gravidade da situação dos Ianomâmis

Funai recebeu em média cinco alertas por mês em 2022 sobre gravidade da situação dos Ianomâmis

Compartilhe

No último ano do mandato de Jair Bolsonaro, organizações como a ONU e o MPF fizeram denúncias.

Segundo O Globo, denúncias enviadas à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) durante o último ano de mandato de Jair Bolsonaro revelam que a grave crise humanitária que assola os Povos Ianomâmis era uma tragédia anunciada. O órgão recebeu 36 alertas sobre as más condições enfrentadas pela etnia entre abril e novembro do ano passado, equivalente a cinco por mês. Os comunicados partiram dos próprios indígenas, de organizações internacionais, como a ONU, e braços do Estado como o Ministério Público Federal (MPF). Eles revelam episódios de estupro, disseminação de doenças e desnutrição aguda.

Procurada para comentar quais providências foram tomadas a respeito dos ofícios, a Funai não se manifestou.

Abril do ano passado marca o início do agravamento da crise. No dia 25 daquele mês, o Conselho Distrital de Saúde Indígena local divulgou que uma menina da etnia, de 12 anos, havia morrido após ser estuprada por garimpeiros. O episódio chamou a atenção de entidades nacionais e estrangeiras, que passaram a denunciar o que se passava na região à Funai. O Globo teve acesso ao material por meio da Lei de Acesso à Informação.

No dia 28 de abril, três dias após a morte da indígena de 12 anos, lideranças Ianomâmis mandaram um pedido de socorro à Funai. Relatavam as agruras vividas e denunciavam a ação de garimpeiros ilegais, que historicamente atuam na região. “Em todo o território, o garimpo invade nossas terras, destrói nosso modo de vida, nossas roças e gera fome e violência. Nossas famílias estão adoecendo e morrendo de doenças facilmente tratáveis. Nossos jovens estão morrendo da violência das armas de fogo trazidas pelos garimpeiros. Queremos viver em paz”, dizia o apelo da Hutukara Associação Yanomami.

Outros membros da comunidade fizeram denúncias por meio do Disque 100, um canal de recebimento de denúncias do governo federal, que eram retransmitidas à Funai. “A crianças da terra indígena yanomami estão morrendo de com sintomas de malária e desnutrição, sem nem mesmo receber tratamento médico”, escreveu um indígena em 9 de maio de 2022. Por medo de represálias, ele pediu para não ter o nome divulgado no sistema do governo.

Conforme a situação se agravava, algumas das organizações internacionais mais importantes do mundo passaram a enviar representantes à região, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Escalado para a missão, Jan Jarab colheu relatos in loco de 22 a 26 de maio. Ao fim, encaminhou um relatório à Defensoria Pública da União, que o remeteu à Funai.

Àquela altura, o funcionário da ONU já classificava o caso como uma “grave crise humanitária e de direitos humanos”. Ele reporta ter presenciado na terra indígena casos de desnutrição infantil, que agora ganharam o mundo com a propagação de imagens de crianças visivelmente subnutridas. Ele também cita introdução do álcool e drogas, além de “abusos sexuais contra mulheres e meninas por garimpeiros”.

Assim como a ONU, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos cobrou ao governo brasileiro a “adoção das medidas necessárias para prevenir a exploração e a violência sexual contra as mulheres e crianças dos Povos Indígenas Ianomâmis”. Além da Funai, o documento foi entregue para a Coordenador-Geral de Cooperação Internacional da Polícia Federal.

Presidente da Funai

Um dos alertas partiu de quem hoje preside a Funai: a então deputada federal Joenia Wapichana. No dia 14 de setembro, ela formalizou ao Ministério da Justiça a denúncia sobre a morte de seis crianças indígenas nas regiões de Xitei e Surucucus, localizadas na Terra Indígena Yanomami. A parlamentar disse, na época, que a causa das mortes envolvia “falta de assistência à saúde indígena em Roraima” e cobrou providências. Dois dias depois, o caso foi enviado à Funai e Polícia Federal.

Procurada, a PF disse apenas que todas as informações recebidas são analisadas e, “sendo constatadas a materialidade do fato e a existência de indícios de autoria, devidamente investigadas”. A corporação não respondeu se investigou as denúncias o caso levado por Joenia.

MPF: situação “alarmante”

A procuradoria da República do Ministério Público Federal em Roraima mandou um ofício para a Funai, em 20 de julho do ano passado, classificando como “alarmantes indicadores de vigilância alimentar e nutricional da TI yanomami”. Na ocasião, alertava que mais da metade das crianças yanomamis, já naquela época, possuía “algum grau de desnutrição” e que em algumas regiões até “80% das crianças estavam desnutridas”.

“A cada 3 dias uma criança yanomami tem que ser removida para receber atendimento de média ou alta complexidade por subnutrição grave, muitas delas indo a óbito”. O MPF comparou: a terra indígena registra índices piores que o Sul da Ásia e a África Subsaariana, onde estão os países com piores dados de subnutrição infantil”, dizia o documento, assinado pelo procurador da república Alisson Margual.

Compartilhe

%d blogueiros gostam disto: