Senador, que não é policial, dissemina tese de que procedimento chamado “pacotinho” seria um sucesso, mas ele pode ser mortal e ninguém o utiliza nas forças de segurança.
Nunca houve uma demonstração tão clara de uma das técnicas de imobilização que Marcos do Val diz ter espalhado pelo mundo: Programa The Noite, de Danilo Gentili, no SBT, em 09 de outubro de 2015.
Diante de uma audiência nacional, logo na abertura do show, Do Val e dois colegas fardados imobilizaram o assistente de Gentili em pleno palco.
Depois de colocá-lo de barriga para baixo no chão, algemaram as mãos nas costas e prenderam os pés do jovem entre as algemas: é o chamado “pacotinho”.
O “suspeito” passou quatro minutos no chão, claramente desconfortável e fazendo expressões de dor, enquanto Gentili conversava com o “instrutor da SWAT”, Marcos do Val. A certa altura, o algemado disse: “Minha coluna não responde mais”.
Pode ter havido uma certa encenação, mas não há nada de brincadeira nisso.
Antes de se eleger, Marcos do Val fez fama e dinheiro vendendo cursos, através do Centro de Técnicas de Imobilização, o CATI. Afirma ter desenvolvido as ideias que propagou a partir de sua formação em aikido, no Japão.
A arte marcial japonesa é mais que isso. É também uma filosofia. É autodefesa com o uso da força do rival, ou adversário.
Do Val sempre sustentou que sua técnica poderia salvar vidas, ao garantir a imobilização do suspeito sem a necessidade do uso de força letal. Aplicar o “pacotinho” protegeria policiais, por exemplo, num momento em que estivessem esperando reforço, com vários detidos ao mesmo tempo.
Além disso, com os pés presos às algemas, não haveria risco de fuga ou de um golpe sorrateiro.
Porém, é um tema altamente polêmico, especialmente nos Estados Unidos, onde Do Val teve a infelicidade de encontrar uma pessoa crítica. Ela prefere não se identificar em público e teve a “audácia” de contestar o “pacotinho” em vídeo, alegando que em determinadas circunstâncias poderia matar o suspeito e, eventualmente, incriminar o policial.
O argumento: o “pacotinho” de Do Val dificulta a respiração, especialmente de pessoas obesas, sob o efeito de álcool e drogas ou que tenham algum problema cardíaco.
O vídeo viralizou, especialmente entre agentes de segurança. Afinal, não é só a vida do suspeito que está em jogo, é a própria carreira do policial.
Mais tarde, a morte de George Floyd Jr, em 25 de maio de 2020, em Minneapolis, Minnesota, provocou uma revolução nas técnicas de imobilização.
Floyd morreu de parada cardíaca após o policial Derek Chauvin se ajoelhar sobre seu pescoço durante mais de 8 minutos, depois de algemá-lo de bruços.
Nenhuma relação, neste caso, com a técnica que Marcos do Val ensinava.
Porém, desde então as autoridades policiais estadunidenses foram forçadas a repensar o treinamento.
A morte de suspeitos pode gerar não apenas comoção e revolta social. Resulta em indenizações milionárias, capazes de, em série, “quebrar” o orçamento dos departamentos de polícia.
Existe, ainda, o risco de os próprios policiais serem expulsos da corporação, presos ou processados civilmente.
Por isso, a pessoa que denunciou a técnica de Marcos do Val em vídeo acredita que acertou em fazê-lo.
Diz que à época, antes mesmo do caso George Floyd, já estava se tornando consenso nos Estados Unidos que era arriscado colocar os suspeitos algemados de barriga para baixo.
Em caso de um suspeito agitado, o policial teria a tendência de contê-lo fazendo pressão sobre as costas e o pescoço, dificultando ainda mais a respiração.
Um guia do “Centro Nacional de Tecnologia da Aplicação da Lei”, de 1995, período em que Marcos do Val atuava tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, trata especificamente de “morte súbita” causada por “asfixia posicional”.
“O risco de asfixia posicional é agravado quando um indivíduo com fatores de predisposição está envolvido em uma luta violenta com um oficial ou oficiais, especialmente quando a contenção física inclui algemá-lo com as mãos atrás das costas e de barriga para baixo”, diz o documento.
Foi elaborado pelo professor de Patologia Forense Dr. Charles S. Petty, da Universidade do Texas, e pelo subchefe legista do estado de Connecticut, Dr. Edward T. McDonough.
Não há menção aos pés, cuja colocação entre as algemas, pregada por Do Val em seu “pacotinho”, poderia dificultar ainda mais a respiração.
De acordo com o manual da polícia de Nova York, para “prevenir a morte” de suspeitos a orientação era clara já em 1995: “Assim que o suspeito é algemado, coloque-o de lado ou em uma posição sentada”.
No caso do manual de Nova York, há menção explícita aos pés: “Jamais amarre as algemas a pés ou tornozelos restritos”.
Manual de procedimentos da Polícia de Nova York
Do Val, como se viu no programa de Danilo Gentili, pregava fazer pior que isso: colocar os dois pés sob as algemas.
Ele jamais aceitou a crítica que recebeu no Texas. Em 2017, ainda se preparando para lançar a candidatura a senador, foi fazer uma visita em pessoa ao local de trabalho de nossa fonte. Alegou que temia ser prejudicado em seu mandato. Mais tarde, já depois de eleito, um assessor de Do Val enviou mensagem de correio eletrônico ao superior de nosso entrevistado, insistindo para que o vídeo fosse tirado do ar, o que nunca aconteceu.
O “pacotinho”, afinal, tinha sido um importante ponto promocional de Marcos do Val, junto com o marketing de ser “instrutor da SWAT”.
Como demonstrou a Fórum, no entanto, Marcos do Val não é policial. Ele atuou nos Estados Unidos através de uma entidade sem fins lucrativos formada por policiais, a Texas Tactical Police Officers Association (TTPOA).
Foi através dela que promoveu cursos lá.
SWAT é um termo genérico, usado para batizar diferentes unidades policiais dos Estados Unidos. Porém, a obsessão de Marcos do Val para se associar ao nome agora encontra explicação.
Desde 2003, ele é dono da marca SWAT no Brasil, de acordo com registro obtido no Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Registro da marca ‘SWAT’ no Brasil, feito por Marcos do Val, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial
Marcos do Val pediu a prorrogação do registro no final de 2016 e conseguiu. Vai até 5 de junho de 2027. A marca não inclui o uso exclusivo da expressão Special Weapons and Tactics.
O fato de que é dono da marca SWAT no Brasil não significa, no entanto, que tenha atuado como instrutor da SWAT de Dallas, por exemplo. O cargo é exercido por policiais de carreira, que precisam ser cidadãos americanos, o que Do Val não é.
Em e-mail enviado à Fórum, uma porta-voz informou que o Departamento de Polícia de Dallas nunca teve relação formal com o hoje senador ou sua empresa, a CATI – apesar das várias fotos que Do Val disseminou, uma delas ao lado de um caveirão onde está escrito o nome da cidade texana.
Também fizemos consulta sobre o eventual uso das técnicas de imobilização disseminadas por Marcos do Val, como o “pacotinho”.
A resposta da porta-voz foi seca e direta: “Não”. Ou seja, hoje o senador não emplacou sua técnica nem mesmo na polícia da terra dos Dallas Cowboys, onde viveu parte de seu “sonho americano”.
*Com Forum