O elo entre a minuta do golpe e o encontro de Bolsonaro, Marcos do Val e Daniel Silveira

O elo entre a minuta do golpe e o encontro de Bolsonaro, Marcos do Val e Daniel Silveira

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Em dezembro, conspiração antidemocrática ocorria nos bastidores para reverter o resultado da eleição.

As conversas entre os senadores Marcos do Val (Podemos-ES) e Daniel Silveira (PTB-RJ), o encontro com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a confecção da minuta encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres ocorreram no início de dezembro, pouco mais de um mês depois da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa presidencial. O GLOBO construiu, a partir dos relatos e de informações públicas, uma linha do tempo com os diferentes episódios que ajudam a contextualizar a conspiração antidemocrática revelada pelo parlamentar.

O início desta articulação ocorreu em 19 de novembro, quando o ex-ministro e ex-candidato a vice-presidente Walter Braga Neto disse a apoiadores na porta do Palácio do Alvorada que “não perdessem a fé”. Na internet, à época, bolsonaristas interpretaram a fala como um recado a todos aqueles que permaneciam na frente dos quarteis espalhados pelo Brasil pregando a não aceitação do resultado das eleições de outubro.

No fim do ano, horas antes de embarcar para os Estados Unidos, Bolsonaro explicou aos seus apoiadores o motivo por trás da ausência de uma posição contrária ao resultado eleitoral: “Tem gente que está chateada comigo, que [eu] deveria ter feito alguma coisa, qualquer coisa (…) para você conseguir certas coisas, mesmo dentro das quatro linhas, você tem que ter apoio”, explicou o então presidente, dando a entender que não teve apoios necessários para dar sequência a uma reação antidemocrática.

Veja abaixo a linha do tempo da conspiração golpista feita entre o final de novembro e dezembro

19 de novembro: discurso de Braga Netto

Uma declaração enigmática do general da reserva Walter Braga Netto deixou a base bolsonarista em polvorosa e antecedeu todas as movimentações. Após deixar o Palácio da Alvorada, onde teve reunião com Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa conversou com apoiadores e pediu que “não perdessem a fé”. A declaração de Braga Netto, que foi gravada, foi imediatamente recebida nas redes pró-Bolsonaro como um recado implícito aos manifestantes que pediam por um golpe nos quarteis e nas rodovias federais.

— Vocês não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora — disse Braga Netto que foi respondido por uma bolsonarista com voz embargada: “A gente está na chuva, no sufoco”.

— Eu sei, senhora. Tem que dar um tempo, tá bom? — afirmou.

Primeira semana de dezembro: execução da minuta golpista

O documento encontrado pela Polícia Federal em 12 de janeiro na casa do ex-ministro Anderson Torres, a minuta golpista, foi redigido logo no começo de dezembro. O texto com o objetivo de reverter o resultado da eleição, na qual Jair Bolsonaro foi derrotado, faz menção direta ao dia da diplomação de Lula no TSE, ou seja, 12 de dezembro. A cerimônia seria, à princípio, no dia 19 daquele mês, mas foi antecipada em 29 de novembro.

7 de dezembro: Silveira procura do Val

Durante uma sessão no Congresso Nacional, o então deputado federal Daniel Silveira procurou por Marcos do Val para avisar que Bolsonaro desejava falar com o senador. O presidente e do Val conversam por telefone e combinaram um encontro para o dia 9 de dezembro.

Marcos do Val afirma que, após o contato inicial de Silveira, procurou Alexandre de Moraes e que foi aconselhado pelo ministro a ouvir o que o ex-presidente queria dizer. “Ele disse ‘vai, porque quanto mais informação, melhor’”, contou o senador à imprensa, posteriormente, após as revelações da Veja.

9 de dezembro: discurso no cercadinho e encontro com senadores

Também no início de dezembro, o então presidente Jair Bolsonaro discursou, pela primeira vez após a derrota, aos seus apoiadores no cercadinho em frente ao Palácio do Planalto. Na ocasião, Bolsonaro, assim como seu vice de chapa, deu a entender que movimentações golpistas estariam ocorrendo.

Na ocasião, em tom vago, ele pediu para que seus eleitores se mantivessem esperançosos, e afirmou que as coisas dariam certo “no momento oportuno”.

— É pelo país de vocês.(…) O que eu digo a vocês, vamos acreditar, vamos nos unir, criticar só quando tiver certeza, buscar alternativas. Vamos vencer, se manifestando de acordo com as nossas leis, vocês são cidadãos de verdade. Está na hora de parar de ser tratado como outra coisa aqui no Brasil. Acredito em vocês, vamos acreditar em nosso país. Se Deus quiser tudo dará certo no momento oportuno.

Neste mesmo dia, o presidente recebeu Daniel Silveira e Marcos do Val para uma reunião no Alvorada, que durou cerca de 40 minutos. Em mensagens obtidas pelo GLOBO, o plano desenhado foi para que do Val se aproximasse do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes para gravar conversas e captar algo comprometedor. Uma possível prisão de Moraes colocaria o país em uma crise política.

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela segurança do presidente, daria o suporte técnico à operação, fornecendo os equipamentos de espionagem necessários.

10 de dezembro: a insistência de Silveira

No dia seguinte à reunião, Silveira enviou uma série de mensagens para cobrar Marcos do Val por uma resposta. O deputado afirmou que a missão era segura, mas o senador não respondeu. Diante da hesitação, Silveira seguiu insistindo.

12 de dezembro: Marcos do Val procura Moraes

Três dias após a reunião, na data em que Lula foi diplomado, Marcos do Val teria procurado Alexandre de Moraes. Em mensagem, o congressista pedia para conversar pessoalmente com o magistrado sobre o encontro que teve com Bolsonaro e Daniel Silveira. A reunião entre os dois foi agendada para o dia 14.

Neste dia, bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal para resgatar o indígena extremista que havia sido preso. Em seguida, Brasília foi depredada.

14 de dezembro: encontro entre Moraes e do Val

No dia 14 de dezembro, Alexandre Moraes encontrou Marcos do Val no salão branco do STF por alguns minutos. O parlamentar contou a proposta que recebeu do então presidente Jair Bolsonaro. Neste mesmo dia, o senador informou a Daniel Silveira que não faria parte do plano: “Irmão, vou declinar da missão”, escreveu. O deputado aceitou: “Entendo, obrigado”.

30 de dezembro: última live de Bolsonaro

Horas antes de embarcar para os Estados Unidos, Jair Bolsonaro fez seu último pronunciamento enquanto presidente. Na live de despedida, ele disse aos apoiadores que não teve apoio para tomar uma atitude.

— Agora, muitas vezes, dentro das quatro linhas, você tem que ter apoios. Alguns acham que é “pega a (caneta) Bic, assine, faça isso, faça aquilo” e está tudo resolvido. Eu entendo que eu fiz a minha parte, estou fazendo até hoje a minha parte. Estou fazendo até hoje a minha parte. Hoje são 30 de dezembro. Até hoje eu fiz a minha parte dentro das quatro linhas. Agora, certas medidas têm que ter apoio do Parlamento, de alguns do Supremo, de outros órgãos, de outras instituições.

*Com O Globo

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