Jamil Chade*
Prezado senhor Cartão de Crédito de Jair Bolsonaro
Ao longo de quatro anos, o senhor foi usado e abusado. Foi escondido, passado sem vergonha, transformado em máquina de fazer dinheiro. Trabalhou como ninguém naquela família.
Descobrimos nesta semana que o senhor foi instrumentalizado para comprar R$ 8.600 em sorvetes. Calculando pelo preço médio de um picolé mais sofisticado que está à venda no mercado, isso representaria 661 sorvetes. Um a cada três dias, durante quatro anos.
Também fiquei muito impressionado com o quanto o senhor foi usado em padarias: R$ 581 mil. Haja sonho. Isso, claro, sem contar com gastos elevados de mais de R$ 100 mil em apenas um dia em um restaurante modesto do Norte do Brasil. Lá, o prato custava 17 reais.
Hoje começo a entender tanto sigilo. E tantas internações por problemas estomacais.
Mas fiquei confuso com todas essas informações. Certo dia, em São Paulo, encontrei por acaso com uma das secretárias mais fiéis ao governo Bolsonaro. E ela me fez uma confissão emocionante: o presidente era uma pessoa “simples” e que “comia arroz e feijão”.
Claro, quando descobrirmos que ele gastou em quatro anos R$ 27 milhões, fico só pensando: alguém está mentindo. Ou o presidente, ou ela ou o senhor.
Também não entendi os gastos de 1,4 milhão de reais em um só hotel. Numa conta rápida, daria para pagar por oito anos de estadia. Mas ele não tinha casa? Aquela das emas que fugiram da cloroquina?
Escrevo esta carta para pedir um favor: conte-nos tudo.
Todos aqueles sorvetes foram ou não consumidos? Aquelas noites de hotel foram ou não usadas? E como comer 6.000 pratos num só dia naquele restaurante modesto?
Afinal, quem era o teu chefe? Um homem simples ou um mentiroso?
Peço perdão por tirá-lo de um sono de cem anos. Mas, sabe, só estou cobrando isso por ser meu o dinheiro que pagou essas contas. Meu e dos demais brasileiros.
Como estamos reconstruindo uma democracia e como ainda lidamos com a herança de 33 milhões de famintos, você tem o potencial de ser uma peça chave nesse processo.
Foram anos de uma destruição profunda do país. E, numa democracia, existem coisas que o dinheiro não compra.
Aparentemente, o presidente de plantão achou que, para todas as outras, existia o cartão de crédito.
Saudações democráticas,
Jamil
*Uol