Com retorno de Lula, Globo se apressa em falsificar História recente do Brasil e se proteger de possíveis acusações

Com retorno de Lula, Globo se apressa em falsificar História recente do Brasil e se proteger de possíveis acusações

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A História é escrita por quem tem poder e é papel dos brasileiros com consciência crítica questionar e desafiar as versões dominantes e unilaterais dos fatos. A escrita da História expressa uma luta de interesses dos variados componentes que formam a sociedade. O ano de 2023 mal começou e no dia seguinte a posse de Lula para o seu terceiro mandato, após anos de uma grave crise política iniciada em 2013 e prolongada até as eleições de 2022, a Rede Globo de Televisão colocou no ar uma série documental de cinco capítulos intitulada “8 Presidentes, 1 Juramento”.

O objetivo vai muito além de pegar carona no hype das discussões políticas do país que geram interesse e, portanto, espaço para patrocinadores. A atração que terminou no dia 6 de janeiro (última sexta-feira) entra no hall de atividades jornalísticas de manipulação dos fatos com o objetivo de moldar a opinião pública brasileira de acordo com seus interesses. Esse tipo de prática é uma antiga especialidade das Organizações Globo que responde, ela própria, por uma série interminável de interferências nocivas na vida pública do país desde a sua formação como jornal impresso, radiofônico e televisivo. A Rede Globo é um império das comunicações e detém grande poder de difusão e influência na psicologia do povo brasileiro, mesmo após a revolução das redes sociais.

Ao veicular o documentário que promove uma revisão da História do Brasil do período da Redemocratização até os momentos recentíssimos da política nacional, a emissora demonstra a sua urgência em abrandar a gravidade das atividades as quais se envolveu a partir da crise do Golpe de 2016. É importante ressaltar que o retorno de Lula ao poder possui um significado poderoso que coloca em xeque todo o percurso que a Globo e todo o emaranhado de mídia monopolista havia delimitado junto ao empresariado brasileiro. Para fins pedagógicos, esta doutrina de mudança de rota está melhor descrita no projeto “Ponte para o Futuro” do governo Michel Temer. Este famigerado projeto de Estado (apelidado pelos críticos de “Pinguela para o Passado”) expressa uma série ampla de alterações da política e economia do país com vistas à privatização de estatais brasileiras e ataques frontais aos direitos da classe trabalhadora.

A crise iniciada a partir das manifestações de Junho de 2013 (conhecidas como “Jornadas de Junho de 2013”) levou amplos e poderosos setores econômicos do país a buscar uma mudança de perspectiva do Brasil de um país com estratificações médias urbanas e assalariadas que adquiriam progressivamente mais e mais consciência política para uma camada média instrumental, ou seja, que servisse de massa de manobra para incriminar partidos de esquerda, sindicatos, leis protetoras do trabalho, estatais estratégicas e até mesmo a soberania nacional. Esta complexa operação foi colocada em prática e contou com auxílio até mesmo de think tanks norte-americanas, fato este que colocou a Operação Lava Jato como uma ferramenta geopolítica que serviu aos interesses da política externa estadunidense. A Guerra Híbrida que se instalou no Brasil é considerada de 10 entre 10 especialistas em Geopolítica como uma das operações de golpes de Estado mais complexas vistas no Mundo nos últimos anos e considerada pelos EUA o pontapé inicial daquilo que pretendiam aplicar em outros países como Rússia, Índia e China.

As novas doutrinas militares envolviam a captura não só da narrativa hegemônica da imprensa monopolista local como também a infiltração nos sistemas de Justiça com retaguarda das Forças Armadas. A partir daí, o tradicional Golpe Militar com quartelada foi substituído por uma nova modalidade de ruptura com a ordem, a abertura de processos de Justiça de “aparência legal” que criminalizaram ativos políticos em articulação com a imprensa sem que o grosso da população percebesse anormalidades. Pelo contrário, grande parte da população celebrava os processos como se o país estivesse “lavando sua alma”. Não devemos jamais esquecer que estes efeitos psicológicos usados como arma política são estudados há anos e regularmente empregados na Arte da Guerra. Conduzir a população a uma catarse coletiva e direcioná-la contra desafetos é uma estratégia que a Grande Burguesia dispõe para defender a manutenção de seus privilégios e suas políticas reacionárias. E assim a emissora carioca foi o principal vetor que levou o país a mergulhar num Golpe de Estado em 2016 a partir de um processo de Impeachment que não possuía o menor amparo constitucional. Além disso a prisão ilegal do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, o elemento-chave que representa todo o “espírito” de conquistas da classe trabalhadora foi o grande projeto que se perseguiu e levou em 2018 a eleição de Jair Bolsonaro, uma das expressões mais escatológicas da Extrema Direita brasileira.

Tudo parecia caminhar conforme o plano até que o governo Bolsonaro perdeu a proa e apoio. O império de comunicação Rede Globo que também já abandonara suas criações no passado para acalmar o ambiente (vide o célebre caso de Fernando Collor de Mello e sua controvertida relação com a Rede Globo) e Bolsonaro passou então a ser também alvo de críticas. O governo Bolsonaro tinha ido longe demais em seu discurso e passou a gerar o efeito contrário ao que propunha, Bolsonaro foi o grande reabilitador político de Lula. Percebendo que a rota original do Golpe de Estado de 2016 que objetivava consolidar o “Ponte para o Futuro” da Direita Neoliberal estava em risco, Bolsonaro passou a conviver com oposição da Rede Globo e esta, de modo estratégico, apoiou a candidatura de Lula e sua frente ampla na reta final das Eleições de 2022. Não sobrou alternativa para a gigante das comunicações: apoiar Lula na reta final uma vez que a grande candidata dos Bancos e do Capital financeiro, Simone Tebet, não decolou nas pesquisas e intenções de votos.

Entretanto, com o retorno de Lula ao poder não podemos nos enganar. A Rede Globo não se tornou, contra todos os prognósticos, uma empresa “Lulista”. A Rede Globo já se adiantou e nem ao mesmo esperou a ressaca dos festejos da posse de Lula para, no dia seguinte, 2 de janeiro, veicular a sua narrativa da História recente do país. Uma pressa que diz muita coisa, uma atitude bastante eloquente do ponto de vista político. Com sua clássica habilidade de editar imagens, a Globo foi moldando capítulo a capítulo da História brasileira para, em primeiro lugar, descomprimir o ambiente de tensão política do país e, em segundo lugar, justificar o injustificável: a sua participação grotesca e criminosa no Golpe de Estado de 2016. Como se nada tivesse acontecido, nos episódios destinados ao governo Dilma Rousseff, a Rede Globo transpareceu por meio de sua narrativa que o Impeachment foi uma consequência “natural” de um governo “atabalhoado” desconsiderando e varrendo para debaixo do tapete toda a participação que a imprensa teve em criar um clima de criminalização contra o PT. O documentário quis transparecer que Dilma caiu quase que por um “infortúnio” do destino e por simples “impopularidade”. Esta atividade é um tapa na cara de todos, uma hipocrisia. Além de uma tentativa de se falsificar a História recente do Brasil, o documentário é um desrespeito a toda a luta da classe trabalhadora contra a guerra que sofreu de 2013 até agora. Mas a emissora carioca não dá ponto sem nó. A pressa por criar a narrativa da História é um ímpeto de defensiva, um reconhecimento que sua manobra original, ou seja, a política e o programa de país que este império monopolista defendia sofreu um refluxo e, antes que as coisas piorassem, buscou sair pela tangente. Reescrever a História do seu ponto de vista e tirar proveito da sua capilaridade em rede de difusão no país é um atestado de que a emissora ficou receosa que as coisas saíssem do controle diante da gravidade de todo o processo. Busca assim se resguardar dos historiadores brasileiros e da Academia. Não quer ficar conhecida novamente como a empresa que apoiou o Golpe de 1964 e o Golpe de 2016. Mas enganam-se aqueles que acreditam que este corpo cancerígeno chamado Rede Globo sai impune de tudo isso, a Historiografia brasileira saberá posicionar esta empresa no seu devido lugar.

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