Jamil Chade – Se Jair Bolsonaro (PL) decidir ficar nos EUA, depois de deixar a Presidência brasileira, a mudança poderá ter um impacto nas denúncias que ele sofre no Tribunal Penal Internacional, em Haia.
Nesta semana, o UOL revelou que o brasileiro pretende passar uma temporada na Flórida. Inicialmente, essa ida poderia envolver uma estadia de um ou dois meses. Mas, como outros bolsonaristas que jamais retornaram ao Brasil, uma decisão sua de estender a viagem teria o potencial de causar obstáculos em uma eventual investigação do TPI.
Bolsonaro hoje é alvo de pelo menos cinco denúncias em Haia por crimes contra a humanidade e por genocídio, envolvendo tanto sua gestão da pandemia como a situação dos indígenas no Brasil. A Procuradoria da corte ainda avalia se vai abrir uma investigação formal sobre o brasileiro.
Mas a realidade é que o fim de seu mandato como presidente não encerra os processos internacionais, que tradicionalmente duram anos.
Bolsonaro já disse que teme ser preso no Brasil, com o fim de seu mandato. Mas, se permanecesse apenas no país, Bolsonaro lutaria nos tribunais nacionais contra uma eventual extradição para Haia para que seja julgado. Pela lei, o Brasil não entrega seus nacionais para cortes estrangeiras. Mas deixa uma brecha justamente para órgãos internacionais. Diplomatas acreditam que, se um dia o processo chegar a isso, um intenso debate jurídico seria travado.
O que mudaria com uma eventual ida de Bolsonaro para os EUA? Para diplomatas, uma permanência de Bolsonaro em território americano poderia dificultar a reunião de evidências contra o brasileiro ou mesmo o envio de perguntas a ele.
Apesar de o governo democrata de Bill Clinton ter feito parte das negociações do Tratado de Roma, que criou o TPI, os EUA não ratificaram o acordo e não reconhecem a jurisdição da corte.
Ao longo de alguns anos, a relação entre Washington e Haia mudou. Em 2002, no governo de George W. Bush, os americanos “desassinaram” o tratado. Mas, mesmo assim, apoiaram as investigações do tribunal sobre o genocídio no Sudão.
Algum tipo de cooperação, ainda que limitada, ocorreu durante o governo de Barack Obama. A Casa Branca chegou a prestar informações consideradas como fundamentais para que alguns suspeitos pudessem ser processados em Haia. Mas sempre que não envolvesse americanos ou interesses dos EUA.
A situação foi radicalmente diferente quando Donald Trump assumiu o governo e decidiu implementar até mesmo sanções contra funcionários do tribunal, retirar vistos e congelar recursos nos bancos dos EUA das pessoas que trabalhavam na corte.
A medida foi uma retaliação depois de um processo aberto contra os militares americanos em Haia por suspeitas de crimes no Afeganistão. O governo americano tampouco tolera a existência de um processo contra Israel por crimes em território palestino.
E com Biden? A nova administração americana desfez as sanções impostas contra os funcionários de Haia e a esperança era de que a cooperação entre a Casa Branca e o TPI fosse restabelecida.
Delegações de Washington voltaram a ir às reuniões e a troca de informação voltou a ocorrer, ainda que de forma limitada. Mas o governo americano deixou claro que continua a se opondo a qualquer investigação que envolva suas atividades no exterior.
E como isso afetaria Bolsonaro? A inexistência de uma relação automática entre a Casa Branca e o TPI torna incerta qualquer colaboração das autoridades americanas sobre o caso de uma pessoa que esteja em seu território.
Biden tem sido alvo de críticas por apoiar investigações contra a Rússia no TPI em sua guerra contra a Ucrânia, mas manter restrições para outros casos.
Para diplomatas, essa relação tumultuada dos americanos com Haia não facilitaria um eventual processo e troca de informações e cada caso dependeria de negociações.
E para a Itália? Se Bolsonaro optasse por uma estadia na Itália onde conta com amigos da extrema direita e de onde vêm seus antepassados, sua situação poderia ser de maior vulnerabilidade diante da corte. Ao contrário dos EUA, Roma faz parte do TPI e coopera com a corte.
*Uol