A ministra Rosa Weber, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), votou hoje para declarar inconstitucionais o uso das emendas do relator para atender a solicitações de parlamentares, mecanismo que ficou conhecido como “orçamento secreto”. Em voto, ela mantém a existência das emendas do relator, mas o seu uso passa a ser estritamente limitado.
Na prática, o voto da ministra acaba com o orçamento secreto, pois reduz as possibilidade de ingerência dos parlamentares no orçamento via emendas do relator-geral, que passam a ser usadas somente para “correções” do projeto de lei orçamentário.
Era por meio das emendas de relator que parlamentares indicavam, em acordos informais no Congresso, a destinação de verbas do orçamento público sem seguir critérios técnicos claros e sem transparência. Os nomes dos “padrinhos” da verba eram ocultados pela figura do relator-geral do orçamento, por isso o mecanismo ganhou a alcunha de “orçamento secreto”.
O que diz o voto de Rosa:
- Declara incompatível com a Constituição as práticas que viabilizaram o “orçamento secreto” — como o uso indevido das emendas do relator para inclusão de novas despesas públicas;
- Declara a inconstitucionalidade do ato conjunto da Câmara e do Senado que fizeram alterações no orçamento secreto em 2022;
- Veda a utilização das emendas do relator para atender solicitações de despesas e indicações feitas por deputados, senadores e “usuários externos” – termo usado para prefeituras, por exemplo, mas que era usado para mascarar indicações de parlamentares;
- Caberá aos ministros das pastas beneficiadas com recursos consignados pelas emendas do relator orientarem a execução dos montantes registrados como emendas de relator em projetos existentes em suas respectivas áreas, afastando o caráter vinculante das indicações feitas pelo Congresso;
- Todas as unidades orçamentárias e órgãos da administração pública devem publicar dados referentes a serviços, obras e compras realizadas com verbas do orçamento secreto;
Rosa ainda fixou a seguinte tese: as emendas do relator passam a ser destinadas exclusivamente à correção de erros e omissões, vedada a sua utilização indevida para o fim de criação de novas despesas ou de ampliação das programações previstas no projeto de lei orçamentária anual.
As emendas do relator, na minha visão, representam uma violação direta do direito de acesso à informação, do primado da transparência e da máxima divulgação dos dados de interesse público. Insere-se em um contexto de mitigação do controle social sobre o gasto público e desconstrução dos sistemas de fiscalização e prestação de contas pelos gestores públicos. Rosa Weber, presidente do STF
Somente Rosa votou. O julgamento foi iniciado na semana passada, ocasião em que o governo federal, o Congresso e a PGR (Procuradoria-Geral da República) defenderam a manutenção do orçamento secreto. Hoje, a sessão contou somente com o voto de Rosa Weber, que ocupou toda a tarde. A discussão será retomada amanhã (15).
Em um voto longo, a ministra:
- Disse que Congresso e governo não conseguiram identificar todos os repasses do orçamento secreto e suas justificativas;
- Apontou que informações prestadas pelos parlamentares não satisfazem critérios mínimos de confiabilidade;
- Afirmou que acordos informais não são ilegais, mas abrem espaço para o cometimento de crimes;
- Alerta sobre “progressiva tomada” do orçamento, que passa a ficar a serviço de interesses “paroquiais” de parlamentares
- Relembrou escândalos envolvendo a captura do orçamento e apontou riscos da vontade política dar lugar ao “patrimonialismo” e à “subversão de interesses públicos” em prol de projetos de poder.
Congresso não deu transparência, mesmo com mudanças. Em voto, Rosa disse que as informações prestadas pelo Congresso demonstram que somente 70% dos deputados prestaram contas sobre as indicações feitas no orçamento secreto desde a sua decisão, proferida em novembro do ano passado.
“Ou seja, a cada 10 deputados federais, pelo menos três omitiram esclarecimentos, mantendo sigilo sobre as despesas orçamentárias secretas”, disse a ministra.
O Senado não teria ficado melhor, segundo Rosa. A ministra registrou que, embora 85% dos senadores tenham prestado informações, a maioria delas não foram claras e nem precisas. Em maio, o Congresso enviou centenas de ofícios ao tribunal, mas os documentos não estavam padronizados.
Não há uniformidade nem sistematização entre as centenas de ofícios produzidos nestes autos. Alguns apontam vagamente o objeto das despesas, outros indicam somente a programação orçamentária. Não satisfazem os critérios mínimos de exatidão, integridade, segurança e confiabilidade”Rosa Weber, presidente do STF.
A ministra disse que nem mesmo o Congresso ou o governo federal foram capazes de identificar todos os repasses do orçamento secreto, apesar do STF cobrar essas informações no ano passado.
“Nem eles foram capazes de identificar os ordenadores das despesas registradas sob o classificador RP 9 [usado para as emendas do relator], ou os critérios adotados para justificar esses gastos, ou as obras, serviços e bens que foram adquiridos ou contratados com tais valores, e mesmo os programas e objetivos vinculados ao planejamento orçamentário que foram alcançados com esses recursos”, pontuou.
E como fica agora? A discussão será retomada amanhã com os votos dos demais ministros. Pela ordem, os próximos a votar são André Mendonça e Nunes Marques, integrantes mais novos do tribunal indicados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
Como mostrou o UOL, uma ala do STF defende a possibilidade do tribunal manter o orçamento secreto, mas cobrar mais transparência do Congresso. A decisão garantiria um meio-termo: o Supremo não compra a briga com os parlamentares, mas obriga a prestarem contas sobre os repasses.
Um pedido de vista sempre é considerado uma possibilidade, mas ela tem diminuído nos últimos dias. O ministro Alexandre de Moraes disse acreditar que o julgamento terminará nesta quinta-feira (15) ao sair de um evento jurídico nesta manhã.
Congresso tentou última cartada. Mais cedo, faltando poucas horas para a retomada do julgamento, o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apresentou ao STF uma proposta de resolução na qual os parlamentares se comprometem a adotar novos critérios para o orçamento secreto.
Uma cópia do texto foi entregue pessoalmente à ministra Rosa Weber durante a posse do ministro Bruno Dantas, presidente do TCU, nesta manhã. Ao abrir a sessão, Rosa afirma que as alterações demonstraram a “impropriedade” do modelo anterior, mas que são insuficientes para adiar o julgamento.
“Entendo que a louvável preocupação do Congresso Nacional de se debruçar sobre o tema, com vista a ampliar a transparência da sistemática da apresentação das emendas de relator-geral, estabelecendo critérios de proporcionalidade e impessoalidade na aprovação e execução dessas emendas no âmbito do parlamento confirma a adequação da liminar que exarei nestes autos, referendada pelo Supremo, além de confirmar a impropriedade do sistema até então praticado”, disse Rosa.
As mudanças feitas pelo Congresso no orçamento secreto incluem:
A exclusão da categoria “usuário externo”, usado por prefeituras para solicitar emendas – método foi criticado por ocultar o parlamentar que apadrinhou o repasse;
Destinação de, no mínimo, 50% dos recursos para “ações e serviços públicos de saúde ou de assistência social” a partir de critérios “técnicos” estabelecidos pelos ministérios;
Adoção do critério de proporcionalidade das mesas do Congresso, da Comissão do Orçamento e dos partidos políticos de acordo com as respectivas bancadas.
“É dizer, sua execução (das emendas do relator) passa pelo crivo do Poder Executivo, que preserva sua discricionariedade na condução do cumprimento da lei orçamentária”, afirmou Pacheco, no ofício entregue ao Supremo.
O que é o orçamento secreto?
Presentes desde o Orçamento de 2020, o uso das emendas de relator como moeda de troca facilitaram o trabalho do governo de Jair Bolsonaro (PL) nas negociações com as bancadas do Congresso Nacional ao serem usadas em troca de apoio político.
Desde o ano passado, contudo, a verba se tornou central em escândalos de fraudes na compra de caminhões de lixo, ônibus escolares, tratores, ambulância, entre outros.