Miguel do Rosário: O último crocitar do tirano

Miguel do Rosário: O último crocitar do tirano

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Na internet há um site com “vozes dos animais”, no qual podemos confirmar algumas populares, mas também há novidades.

Por exemplo, quase todos sabem que burro zurra, o cão ladra e o pombo arrulha, mas poucos tem conhecimento de que a serpente silva, o peixe ronca e o urubu… crocita.

Fui procurar esses verbos depois de ouvir o último discurso do presidente Jair Bolsonaro, que recebeu de 60 milhões de brasileiros o aviso prévio de seu despejo do Alvorada.

Como era esperado, a cena é grotesca. Bolsonaro não tem sequer a preocupação de fazer um registro audiovisual decente.

O que é divulgado para o Brasil é um vídeo de qualidade horrorosa, onde se vê o presidente berrando, em som quase inaudível, uma série de impropérios contra a Constituição, a democracia e o bom senso. Que é o que ele, a propósito, passou quatro anos fazendo no Planalto.

Num primeiro momento, ao ler um comentário na internet que o presidente tinha rompido o silêncio e feito um “pronunciamento golpista”, fiquei ligeiramente preocupado e corri para me inteirar melhor.

Ao assistir o vídeo, minha preocupação se desfez, embora não o mal estar. O discurso é golpista, como sempre, mas nada diferente do que ele vem fazendo desde que assumiu o governo. A diferença é que agora menos gente lhe dá importância.

Não subestimo o perigo de um político ainda capaz de amealhar enorme quantidade de votos.

Mas uma eleição presidencial é como uma semi-final de Copa do Mundo. O objetivo não é exatamente fazer muitos gols, e sim fazer mais do que o adversário. Isso não é uma metáfora leviana, mas um conceito fundamental da república: numa eleição presidencial, aquele que tem um voto a mais que se adversário, irá governar com a mesma autoridade como se tivesse sido escolhido por 100% dos cidadãos. Foi assim com Bolsonaro. Em 2018, Bolsonaro recebeu 57,8 milhões de votos, e foi eleito presidente, com autoridade plena para exercer todas as prerrogativas que tinha direito. Em 2022, porém, Lula teve 60,3 milhões de votos. Na próxima segunda-feira, 12 de dezembro, será diplomado oficialmente pelo TSE como presidente da República do Brasil.

Não vou analisar aqui a fala de um desequilibrado, porque não tem pé nem cabeça. Valeria apenas reiterar que se trata, mais uma vez, de um discurso irresponsável, inconsequente, infantil, antidemocrático e delirante. O que explica aliás porque ele perdeu as eleições.

Para Bolsonaro, “povo” é um aglomerado de brasileiros que votam nele. Todo mundo que não vota em Bolsonaro é excluído de sua concepção de cidadania. A maioria do eleitorado, os 60,3 milhões que, num gesto de rebeldia e coragem, enfrentaram toda a máquina do Estado, posta a serviço da reeleição de Bolsonaro, e votaram em Lula, não merecem citação ou respeito do presidente da república.

O resultado é que esses eleitores também não respeitarão Bolsonaro.

Ah, sobre as vozes dos animais, o vídeo de Bolsonaro me fez escolher o urubu, que foi lá “crocitar” diante dessa carniça malcheirosa que pede golpe e intervenção das Forças Armadas. É o tirano-urubu. O tirano fracassado, que não conseguiu levar adiante seu plano de transformar o Brasil numa teocracia familiar e fascista.

Publicado originalmente no “O Cafezinho”.

Abaixo, o vídeo, para registro histórico:

 

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