É irrisória a chance de que um golpe prospere. Mas não dá para ignorar as violências perpetradas.
Na frente de quartéis, multidões de extremistas inconformados rezam a pneus ou imploram por ajuda extraterrestre. O repertório de cenas bizarras é enorme. As paródias nem chegam aos pés da realidade.
Em pontos isolados de Rondônia, Mato Grosso e Santa Catarina ainda há bloqueios de vias, tijoladas contra veículos passantes, bombas caseiras em postos policiais e mesmo um atentado a uma adutora de água. A extrema-direita brasileira tem longo histórico de uso de métodos terroristas – e parece que está voltando a eles.
Sim, cabe minimizar os atos, mero desespero de maus perdedores. Hoje, por motivos diversos, é irrisória a chance de que um golpe prospere e que o vencedor das eleições seja impedido de tomar posse.
Mas não dá para ignorar as violências perpetradas, o risco à segurança de tantas pessoas ou as ameaças feitas a adversários políticos e a jornalistas.
Um caso exemplar: do menino que quase perdeu a visão porque os responsáveis pelo bloqueio, no Mato Grosso, não permitiam que o carro passasse.
“Eu não tenho filho com problema no olho. Vai a pé” – a fala do manifestante no bloqueio é uma incursão na mente bolsonarista.
E é necessário também pensar nas consequências de tumulto tão prolongado.
Além do efeitos imediatos, há o fato de que a permanência das manifestações é um fator desnecessário de tensão para o governo democrático que assume em 1º de janeiro.
Começa, aliás, com o risco de a posse seja marcada por uma escalada da violência extremista.
O Judiciário tomou medidas para bloquear o financiamento dos protestos, algo necessário mas que ainda não surtiu efeito. E tem agido também para desmoralizar as justificativas para a agitação golpista, como no caso do relatório do PL.
Mas falta determinar uma ação policial efetiva para desbloquear as vias públicas e impedir e punir os atentados que a extrema-direita vem organizando.
Um dos melhores tuítes pós-eleitorais, que circulou assim que a baderna bolsonarista começou, dizia: “Foi só votar duas vezes no Alckmin que já estou torcendo pra polícia bater em manifestação”.
Mas, no caso, tem que torcer mesmo. As manifestações golpistas não se qualificam como legítimas nem por seus objetivos, nem por seus financiadores, nem por seus métodos.
Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Autor, entre outros livros, de O colapso da democracia no Brasil (Expressão Popular).
*GGN