Jair Bolsonaro ainda é formalmente o presidente da República e, portanto, tem um país para administrar. Mas, onipresente por quase quatro anos, agora desapareceu. Se um trabalhador ou trabalhadora sumisse do trabalho por três semanas sem pedir licença ou meter um atestado, já estaria no olho da rua por justa causa. Jair, contudo, continua ganhando salário pago pelos cidadãos, sem justificar a ausência, nem provar que trabalhou.
Quando ele foi internado, em São Paulo, em janeiro deste ano Bolsonaro, após uma obstrução intestinal causada por um camarão não mastigado, o bolsonarismo explorou o episódio ao máximo, lembrando da facada que levou em 2018. Afinal de contas, era início do ano eleitoral. Agora, nem um boletim médico.
Se Jair não estiver bem, o Palácio do Planalto precisaria ter formalmente avisado à sociedade que ele ficaria afastado para se recuperar, bem como a razão do afastamento. Até porque a saúde do chefe do Poder Executivo é assunto de caráter público, não privado, por motivos óbvios. Ele está deprimido? Tem condições psicológicas de terminar o mandato?
O máximo que tivemos foi o vice-presidente, general Hamilton Mourão, afirmando, nesta quinta, que o sumiço se deve a uma ferida na perna causada por erisipela. Segundo o senador eleito, ele não pode vestir calça e, por isso, não está trabalhando.
O que, convenhamos, é uma bobagem. Se a questão for repouso, vá lá. Mas Jair poderia trabalhar de bermuda no Palácio do Alvorada, como já fez antes. Vestimenta adequada nunca foi sua preocupação – como esquecer a reunião em que discutiu a Reforma da Previdência usando uma camiseta falsificada do Palmeiras? Sem contar que, como ele não sapateia nas lives, não usaria as pernas.
Nos últimos 19 dias, Bolsonaro tem recebido assessores mais próximos, bem como alguns ministros e aliados no Palácio do Alvorada. Mas só. Poderia despachar de lá, mas não parece mais interessado em governar. Deve estar preocupado em analisar formas de não responder pelos crimes que cometeu quando deixar o poder.
Jair tem um medo louco de ser preso, tanto que repetiu isso à exaustão durante os últimos anos, comparando-se à ex-presidente golpista da Bolívia, Jeanine Áñez, que foi condenada e presa.
Particularmente, não tenho objeções ao silêncio que Jair Bolsonaro impôs a si mesmo desde que perdeu para Lula. Pelo contrário, ele deveria ter adotado tal comportamento muito antes, como no pior momento da covid-19. Sem vir a público para atacar vacina, defender vermífugo e furar quarentena, milhares de vítimas estariam vivas agora.
Mas é paradigmático que o presidente que menos trabalhou na Nova República aprofunde sua ojeriza ao trabalho formal após ter perdido a eleição, apontando que a prioridade nunca foi o Brasil, mas ele mesmo, sua família e amigos.
Em sua aparição pública desde então, no dia 1º de novembro, falou por apenas dois minutos e três segundos, e não reconheceu a derrota.
O Gabinete do Ócio de Jair Bolsonaro passa a impressão de que Lula já está governando em seu lugar, o que é um erro. Desmatadores continuam tocando o projeto bolsonarista de terra arrasada em meio ao silêncio presidencial e aos meses de transição, por exemplo. O Brasil está no piloto automático na estrada em que ele nos deixou. Azar o nosso, pois a estrada leva a 50 anos no passado.
Ao mesmo tempo, o golpismo permanece acampado em torno de quartéis. Se abrisse a boca para defender os atos, ele poderia ser enquadrado judicialmente. Se criticasse, seria abandonado pela extrema direita.
Talvez para alimentar esse pessoal, o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato de vice na chapa derrotada de Bolsonaro, assumiu o lugar de Jair, nesta sexta (18), no cercadinho do Alvorada, e tentou tranquilizar os golpistas, dizendo que o presidente está bem.
“Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar para vocês agora”, disse em um tom enigmático.
Enquanto isso, o presidente picota documentos, apaga HDs, renova o passaporte.
*Leonardo Sakamoto/Uol