Jamil Chade – Por anos, a Amazônia esteve no centro do mundo. Mas na periferia do Brasil. Nesta quarta-feira, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva iniciou, em Sharm El-Sheikh, uma transformação dessa postura. E, em troca, vai pressionar por uma reforma na administração do mundo, mais recursos de países ricos e uma garantia de que o país precisa fazer parte das grandes decisões do planeta.
No fundo, a viagem à Conferência da ONU sobre o Clima, no Egito, não foi sobre o clima. Ao subir no palco da COP27, Lula apresentou uma profunda guinada na política externa do Brasil, usando justamente a Amazônia como instrumento para promover uma nova inserção do país no mundo.
Fugindo de sua liturgia de sempre falar sem ler um script, desta vez Lula sabia que precisava seguir um roteiro. O presidente eleito falou o que os países ricos queriam ouvir: a redução do desmatamento será prioridade máxima do governo e a cooperação internacional será necessária. Fundos serão retomados e Lula criticou a destruição da floresta, deixando claro que está ciente do papel da floresta para a sobrevivência do planeta.
Ou seja, o Brasil está aberto ao mundo.
Para as democracias ocidentais preocupadas com o populismo ultraconservador, ele citou a necessidade de vencer a extrema direita e o negacionismo, e insistiu sobre a presença de povos indígenas como protagonistas da questão climática, outro fator de pressão internacional.
Lula ainda insistiu que o mundo poderá continuar a consumir os produtos agrícolas brasileiros e acenou para a possibilidade de uma exportação que não signifique degradação ambiental.
Mas ele também deixou claro que será um momento de cobrança e lembrou como, mais de dez anos depois de as economias desenvolvidas prometerem recursos, até hoje nenhum centavo foi desembolsado. “Voltei mais cobrador”, disse Lula.
Para ele, promessas podem comprometer a credibilidade dos países ricos e deixou claro que, hoje, quem mais sofre com as mudanças climáticas são justamente as nações que menos contribuíram para o aquecimento do planeta.
Em outras palavras: está na hora de o dinheiro ser liberado.
Acenos aos países em desenvolvimento
O presidente eleito ainda deixou claro que sua participação no debate internacional também estará repleta de acenos aos países emergentes e mais pobres. Ele propôs uma aliança mundial pelo fim da fome e pela redução das desigualdades, uma bandeira que tem como meta reposicionar o Brasil como líder entre os emergentes e em regiões como a África e América Latina.
Os arquitetos de sua política externa sabem que o Brasil perdeu espaço nessas regiões e, agora, uma recuperação passará por um novo esforço diplomático.
Lula insistiu em apontar para as injustiças no cenário internacional e na concentração de renda em apenas um número pequeno de países. Ao discursar, prometeu tecnologia para os países africanos e maior integração na América Latina.
Abandonando por completo o tom religioso ou a guerra cultural, o presidente eleito concentrou seu discurso em defender um “mundo mais justo”. Criticou os trilhões de dólares que são gastos em guerras, enquanto 900 milhões de pessoas passam fome.
Conforme o UOL tinha antecipado, Lula ainda deixou claro que o Brasil estará na rota das grandes cúpulas internacionais. Em 2023, uma reunião internacional entre os países Amazônicos, em 2024 a cúpula do G20 com ênfase no clima e, em 2025, a COP30.
Com isso, não apenas atrai a atenção do mundo ao Brasil. Mas posiciona a diplomacia do país na condução da agenda internacional.
Nova governança e lugar na mesa dos adultos.
Outro pilar de sua política externa será a reforma das instituições internacionais, justamente para dar mais voz aos emergentes. Para ele, a ONU precisa “avançar”. “O mundo mudou, os países mudaram”, disse.
Para ele, a instituição não pode ficar nas mãos dos vencedores da Segunda Guerra Mundial. “O mundo precisa de uma governança global, principalmente no clima”, destacou.
Um dos focos é a expansão do Conselho de Segurança da ONU e o fim do poder de veto apenas para os cinco países com assento permanente no órgão.
Lula ainda deixou claro que os temas globais são temas também brasileiros. Alertou sobre a tensão criada pela volta do debate nuclear, citou a crise do abastecimento de energia e o aumento da desigualdade.
“O Brasil está de volta”, disse. “Está de volta para reatar os laços com o mundo e combater a fome”, afirmou. Ele ainda defendeu um comércio justo, num acesso a possíveis reformas na OMC, além de defender uma ordem mundial “multipolar” e o fortalecimento do multilateralismo.
Em outras palavras: uma rejeição a um mundo dividido entre a hegemonia dos EUA e da China.
“O Brasil está pronto para se juntar aos esforços de um planeta mais saudável e um mundo mais justo”, disse.
Não se trata, porém, apenas de voluntarismo. Em troca, quer um lugar na mesa dos adultos.
*Uol