Muito picareta aproveitou o pânico da semana passada com as piores intenções possíveis, inclusive políticas.
Celso Rocha de Barros – Não faz o menor sentido projetar o que será o novo governo Lula a partir da turbulência nos mercados na última quinta-feira (10).
Os números da inflação vieram ruins, isso é um problema para o próximo governo, mas essa culpa é de Bolsonaro.
Já a preocupação com a PEC dos gastos é legítima, mas o projeto ainda está sendo negociado, e Lula tem outros planos para a economia além de gastar dinheiro.
A negociação sobre o aumento de gastos no próximo ano é difícil. Como disse o ex-ministro Nelson Barbosa, a proposta tem que passar no mercado e na política.
Todo mundo sabe que é impossível governar o Brasil com o Orçamento que Paulo Guedes mandou para o Congresso.
O próprio Bolsonaro já havia admitido que, se eleito, tentaria o que o PT está fazendo agora.
O leitor deve se lembrar de quando, nos debates, Lula acusava Bolsonaro de não ter incluído o auxílio de R$ 600 no Orçamento para 2023 e Bolsonaro dizia que isso seria alterado.
O temor do mercado é que essa licença para gastar seja muito alta ou que se torne permanente, para além da necessidade de tapar o rombo deixado por Bolsonaro e garantir a Lula governabilidade no primeiro ano.
Nessa perspectiva, o ideal seria que Lula resolvesse parte do problema com reformas e outras medidas além do gasto adicional.
Aqui há um certo descompasso de cronogramas. A licença para gastar está sendo discutida desde o fim da eleição, pois é necessário mudar a lei do Orçamento.
Como o próprio Guedes descobriu em 2018, é no fim do ano que se discute o Orçamento do ano seguinte.
Por outro lado, outras medidas que o governo Lula pretende adotar, algumas delas mais agradáveis ao mercado, serão mais fáceis de serem discutidas depois da posse.
O caso mais claro é o da reforma tributária: Lula pretende dar início às negociações após uma reunião com os governadores eleitos.
Não é fácil organizar isso antes de Lula poder sentar-se à mesa como presidente. Os governadores eleitos com apoio de Bolsonaro, em especial, poderiam ficar em uma posição difícil.
Nesse meio-tempo, entre a eleição e a posse, há mais certeza sobre aumento de gastos do que sobre o resto do programa do novo governo. Isso não ajuda.
Uma solução seria divulgar o nome do novo ministro da Fazenda. Nem tanto pelo chefe da pasta: tanto os economistas próximos ao mercado quanto os políticos petistas mais cotados para o cargo são gente responsável.
O fundamental seria o anúncio de bons nomes para a equipe econômica que sinalizassem a direção que o governo pretende tomar. Gente com competência comprovada para conduzir a reforma tributária, por exemplo, ou para propor uma nova regra fiscal não-doidona.
Há uma boa chance de gente com esse perfil compor a equipe de qualquer um dos mais cotados para o ministério. É óbvio, entretanto, que só o novo ministro pode convidá-los.
A indicação da nova equipe econômica ajudaria a deixar claro o quanto o governo quer gastar e, sobretudo, o que ele pretende fazer além de gastar.
Não há dúvida de que muito picareta aproveitou o pânico da semana passada com as piores intenções possíveis, inclusive políticas.
Mas não adianta muito reclamar disso. O que o novo governo pode fazer é impor consistência a seu discurso econômico para que os picaretas não possam mais lucrar com as ambiguidades.
*Folha