Por que Bolsonaro falou sobre o Tribunal de Manaus?
Por Lincoln Secco e Julian Rodrigues*
No último debate presidencial, nesta sexta-feira, 28 de outubro, na TV Globo, Bolsonaro citou o tribunal de Manaus. Sem dizer mais nada, deixou no ar uma suspeita. Por que aludir a um tema ainda desconhecido no debate eleitoral?
É preciso que a leitora e o leitor saibam que a proposta faz parte de um documento do Encontro Nacional de Direitos Humanos do PT e nasceu de uma conversa entre Lincoln Secco e Julian Rodrigues.
Muito antes daquele encontro do PT a ideia foi divulgada em artigo publicado pelo site Viomundo [i]
Na América Latina a justiça de transição virou realidade. Militares (chefes das ditaduras, torturadores)
foram julgados, condenados e presos. No Brasil, a lei de anistia garantiu a impunidade dos militares.
Nenhum governo pós-Constituição de 1988 enfrentou o problema do direito à memória, verdade e justiça. Diante da depressão econômica e da pandemia, Bolsonaro finalmente revelou sua face mais teratológica.
Como o nazismo, adotou em 2020 uma estratégia consciente de eliminação física de parte da população
“desnecessária”, em primeiro lugar os idosos, negros e pobres, as maiores vítimas iniciais do Covid 19. O
descontrole da epidemia fez com que toda a população se tornasse um alvo do bolsonarismo.
O Mapeamento das Normas Jurídicas de Resposta à Covid-19 feito pelo Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da USP revelou a existência de uma estratégia
institucional de propagação do vírus no Brasil (21/01/2021).
Houve crimes contra a humanidade perpetrados deliberadamente por uma política de Estado. A superação do fascismo no Brasil não se dará apenas com uma vitória eleitoral. É preciso ter JUSTIÇA DE
TRANSIÇÃO, sim! O país deve investigar, responsabilizar e punir cada responsável pelo morticínio.
Com todo apoio dos setores democráticos do mundo inteiro. É preciso investigar os crimes bolsonaristas e ir além da Comissão Nacional da Verdade (2011-2014) e da CPI da pandemia.
Cabe criar um tribunal ad hoc para julgar e punir Bolsonaro, Mourão, Pazuello (um suposto especialista
em logística), a cúpula do Exército brasileiro e todos os militares e civis no poder que concorreram para a tragédia humanitária a que assistimos.
A equipe militar e neoliberal do governo, por negligência, crença ideológica e incompetência, recusou
investimentos na pesquisa, produção e mesmo contratos de importação futura de vacinas quando o país
ainda tinha uma janela de oportunidade para evitar muitas mortes.
Esse tribunal poderia ser de natureza internacional como o de Nuremberg ou as cortes especiais do Timor Leste e de Ruanda.
De toda maneira, cabe ao próprio Estado brasileiro produzir algum tipo de justiça de transição que os
nossos juristas, profissionais da saúde, historiadores, especialistas em direitos humanos e muitos outros
certamente saberão detalhar e levar adiante. Seja isso feito em Manaus, o laboratório da estratégia
genocida bolsonarista, ou em qualquer outro lugar.
Tudo deve ser passado a limpo.
Investigar, julgar e punir cada um dos responsáveis pelo genocídio. É o mínimo que a gente pode fazer
para honrar a memória dos nossos pais, mães, tias, primos, amigos, colegas, companheiros e
companheiras que morreram muito antes da hora.
Esse cheiro de morte que nos ronda e abate, a gente transmuta em justiça contra os fascistas. Bolsonaro
citou o tribunal de Manaus por temer suas consequências. A História não nos perdoará se a democracia
brasileira cometer o erro da impunidade duas vezes.
Lincoln Secco é professor de História Contemporânea na USP, membro do Gmarx e autor do livro
História do PT.
Julian Rodrigues, professor e jornalista, mestre em ciências humanas e sociais, é militante do movimento
de Direitos Humanos e LGBTI. Idealizador da Frente Parlamentar LGBT, foi coordenador LGBT do
governo Haddad e criador do Transcidadania.
*Com Viomundo