Em editorial, a Nature afirmou que a reeleição de Jair Bolsonaro seria uma “ameaça à ciência, democracia e meio ambiente”. A revista científica ainda chama o chefe do Executivo de “populista” e o compara a Donald Trump, ex-presidente americano:
Só há uma escolha nas eleições do Brasil – para o país e para o mundo.
Um segundo mandato para Jair Bolsonaro representaria uma ameaça à ciência, à democracia e ao meio ambiente.
Quando o Brasil elegeu Jair Bolsonaro como seu presidente há quatro anos atrás, esta revista estava entre aqueles que temiam o pior. “A eleição de Jair Bolsonaro é má para a pesquisa e para o meio ambiente”, escrevemos (Nature 563, 5-6; 2018).
Um populista e ex-capitão do exército, Bolsonaro era acusado de negar a ciência, ameaçar os direitos dos povos indígenas, promover armas como solução para as preocupações de segurança e impor uma abordagem de desenvolvimento-a-qualquer-custo para a economia. Bolsonaro tem sido fiel à sua palavra. O seu mandato tem sido desastroso para a ciência, para o meio ambiente, para o povo do Brasil – e para o mundo.
Neste final de semana, os brasileiros irão às urnas para o segundo turno de uma das eleições mais importantes do país desde o fim da ditadura militar em 1985. Bolsonaro é candidato à reeleição pelo Partido Liberal. O seu adversário é Luiz Inácio Lula da Silva, o líder do Partido dos Trabalhadores, que foi presidente por dois mandatos entre 2003 e 2010. No primeiro turno das eleições, realizada em 2 de outubro, Lula bateu Bolsonaro, mas por uma margem inesperadamente estreita. Não conseguiu fazer a maioria geral, forçando um segundo turno, entre os dois.
O histórico de Bolsonaro é de arregalar os olhos. Sob sua liderança, com o afrouxamento das proteções legais o meio ambiente foi devastado e os direitos dos povos indígenas desprezados. Somente na Amazônia, o desmatamento quase dobrou desde 2018, com mais um aumento esperado quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil divulgar, nas próximas semanas, seus últimos dados sobre o desmatamento.
Assim como seu homólogo populista dos EUA, Donald Trump, Bolsonaro ignorou os alertas dos cientistas sobre a COVID-19 e negou os perigos da doença. Bolsonaro também minou os programas de vacinas, questionando a segurança e eficácia dos imunizantes. Mais de 685.000 pessoas no Brasil morreram de COVID-19. A crise econômica que se seguiu à pandemia atingiu duramente os brasileiros.
Outras semelhanças foram visíveis entre Trump e Bolsonaro – ambos tentaram minar o estado de direito e reduzir os poderes de contenção e equilíbrio.
O financiamento para ciência e inovação já estava diminuindo quando Bolsonaro assumiu o cargo, e continuou a cair sob sua liderança a ponto de muitas universidades federais estarem lutando para manter as luzes acesas e os prédios abertos. A ciência e a academia foram inimigos fáceis em uma ofensiva anti-elite que se espelhou nas guerras culturais dos Estados Unidos.
Isso contrasta com a situação cerca de uma década antes de ele chegar ao poder, quando o Partido dos Trabalhadores fez grandes investimentos em ciência e inovação, intensificou a proteção ambiental e ampliou as oportunidades educacionais. Além disso, graças em parte a um sistema maciço de transferência de renda para os pobres, chamado Bolsa Família, as pessoas de baixa renda melhoraram suas condições de vida e viram crescer as oportunidades.
O Brasil conquistou a reputação de líder ambiental aumentando a aplicação da lei ambiental e reduzindo o desmatamento na Amazônia em cerca de 80% entre 2004 e 2012. Por um tempo, o Brasil rompeu o vínculo entre o desmatamento e a produção de commodities como carne bovina e soja, e se mostrava como país pioneiro e líder no desenvolvimento sustentável. Muito desse progresso já foi desfeito.
Ao contrário de Bolsonaro, Lula não luta contra a ciência. Ele prometeu, se eleito, atingir o desmatamento ‘zero’ líquido e proteger as terras indígenas.
Mas Lula não está deequipado. Ele passou 19 meses na prisão como resultado de uma investigação de corrupção que envolveu funcionários do governo, incluindo líderes do Partido dos Trabalhadores. Em 2019 o Supremo Tribunal Federal determinou que fossem libertos, Lula e todos outros que haviam sido presos indevidamente antes que suas opções de recurso fossem esgotadas. Em 2021 o STF anulou as condenações de Lula, abrindo caminho para que ele concorresse novamente à presidência.
Nenhum líder político chega perto de ser perfeito. Mas os últimos quatro anos do Brasil são um lembrete do que acontece quando aqueles que elegemos desmantelam ativamente as instituições destinadas a reduzir a pobreza, proteger a saúde pública, impulsionar a ciência e o conhecimento, proteger o meio ambiente e defender a justiça e a integridade das evidências.
Os eleitores do Brasil têm uma oportunidade valiosa para começar a reconstruir o que Bolsonaro destruiu. Se Bolsonaro tiver mais quatro anos, o dano pode ser irreparável.
*Por DCM