Bolsonaro pode cometer crime ao impor condição para aceitar derrota

Bolsonaro pode cometer crime ao impor condição para aceitar derrota

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Para Alaor Leite, da Universidade Humboldt, já há indícios de delito contra o Estado de Direito.

Não é preciso esperar para ver qual a conduta de Jair Bolsonaro (PL) diante de uma eventual derrota na eleição para saber se ele comete crime contra o Estado de Direito.

Para Alaor Leite, professor de direito penal da Universidade Humboldt (Alemanha), o fato de o presidente ter imposto condições para aceitar o resultado, em meio a uma campanha de desinformação contra o sistema eleitoral, é suficiente para que seja investigado por eventual enquadramento no Código Penal.

Incluído no ano passado na legislação que substituiu a Lei de Segurança Nacional, o artigo 359-L prevê reclusão de quatro a oito anos para quem “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais”.

Leite e o professor de direito constitucional Ademar Borges tratam do tema em parecer a pedido das organizações Artigo 19, Comissão Arns e Conectas. A dupla avalia que a tática de desinformação com a imposição de condições para aceitar o resultado bastam para configurar a “grave ameaça” citada na lei.

O parecer versa sobre representação ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral ao TSE para apurar suposta propaganda eleitoral antecipada no discurso com ataques ao sistema eleitoral feito por Bolsonaro a embaixadores em julho. À Folha Leite analisa possíveis ilegalidades no 7 de Setembro, a operação do STF contra empresários bolsonaristas e a interlocução do tribunal com as Forças Armadas às portas do pleito.

O professor da Universidade Humboldt traça também um paralelo com o debate sobre liberdade de expressão na Alemanha, país com histórico de preocupação em traçar regras claras para separar o legítimo direito à manifestação de pensamento do discurso de ódio.

Bolsonaro tem proferido seguidos ataques ao sistema eleitoral. Já falou em passar a faixa, mas também em aceitar o resultado desde que as eleições sejam limpas, sem deixar claro o que quer dizer com isso. Do ponto de vista legal, como analisa essas falas? Todo cidadão, inclusive o presidente, pode professar a sua crença ou descrença nas instituições. A situação se altera visceralmente quando essa manifestação de descrença ocorre a partir de uma campanha discursiva arquitetada meticulosamente para atingir um processo eleitoral, não em sua conformação abstrata, mas já em curso.

E a situação se altera ainda mais quando o emissor dessa campanha de desinformação assume uma dúplice função de candidato e presidente da República. O conceito de transparência ou de pureza das eleições não depende do capricho pessoal de nenhum emissor, depende do formato decidido pelo Parlamento brasileiro um ano antes das eleições. Nesse sentido, arquitetar uma campanha de desinformação para substituir essas regras por caprichos pessoais é muito mais do que uma sugestão de melhoria do sistema. É uma tentativa de perturbar um processo eleitoral já em curso.

Há algum crime nisso? A integridade do processo eleitoral é um bem essencial ao Estado de Direito. Uma das cláusulas pétreas da Constituição é a periodicidade do voto. Os novos crimes contra o Estado de Direito também tutelam a integridade do processo eleitoral, e, assim, quando essa narrativa mentirosa industrialmente produzida atinge esse bem caro ao Estado de Direito, é possível que tenhamos um ilícito.

Se essa campanha contra a integridade do processo eleitoral vier acompanhada de uma condição, ou seja, “se o meu capricho não for atendido as eleições não ocorrerão”, pode ser que esteja realizado o delito de tentativa de abolição violenta do Estado de Direito. Porque esse método de agressão constituiria uma grave ameaça, um delito que todas as ordens jurídicas democráticas modernas conhecem.

O legislador brasileiro foi sábio ao mencionar que basta, nesse caso, a tentativa de abolição. Nenhum legislador esperaria a efetiva abolição do Estado de Direito para atuar. E esse é o dilema do direito penal. Ele tem de proteger o Estado de Direito e a democracia nem tarde demais, quando já não haverá mais o Estado de Direito a ser protegido, nem cedo demais, a ponto de garrotear a liberdade de expressão.

*Com Folha

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