Para Amazônia, governo Bolsonaro teve efeito devastador de um El Niño

Para Amazônia, governo Bolsonaro teve efeito devastador de um El Niño

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Pesquisa mostra que, nos primeiros dois anos da gestão bolsonarista, emissões de carbono da região dobraram, temperatura subiu e chuva diminuiu.

Segundo a Piauí, depois de lançar um alerta preocupante no ano passado ao mostrar que partes da Amazônia já emitem mais carbono do que absorvem, um grupo de pesquisadores revela agora que a situação piorou ainda mais nos primeiros dois anos do governo Bolsonaro. O novo estudo mostra que em 2019 e 2020, por causa do avanço do desmatamento e das queimadas, as emissões de carbono da região dobraram em relação à média observada entre 2010 e 2018.

Os dados foram divulgados nesta segunda-feira (19), em formato de pré-print (ainda sem avaliação de outros cientistas), após serem submetidos à revista científica Nature, na qual o artigo ainda está em revisão. Foi o mesmo periódico inglês que publicou o trabalho original, em julho de 2021.

O trabalho, liderado pela química Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), buscou avaliar como a devastação da Amazônia e o desmantelamento das políticas ambientais durante o governo Bolsonaro impactaram a capacidade da região de funcionar como um sumidouro de carbono, ou seja, de retirar mais carbono da atmosfera do que de emitir. Quando faz fotossíntese – o processo pelo qual as plantas se alimentam –, a floresta absorve carbono e o armazena em suas folhas, troncos e raízes. Mas quando ela é derrubada e cortada, todo esse carbono armazenado acaba sendo jogado de volta na atmosfera, piorando o aquecimento global.

A maior floresta tropical do planeta é considerada crucial nos esforços para o combate às mudanças climáticas justamente por ser capaz de retirar da atmosfera o gás carbônico que está lá em excesso por causa das atividades humanas. Mas o desmatamento observado nas últimas décadas, principalmente na porção Leste da Amazônia, já começou a abalar essa capacidade, como mostrou o estudo do ano passado.

A pesquisa publicada em 2021 tinha analisado os dados de fluxo de carbono até 2018. Agora o trabalho foi atualizado, trazendo medições de emissões dos anos de 2019 e 2020. No primeiro ano da gestão Bolsonaro, marcado pela retomada do desmatamento e de fortes queimadas que atraíram críticas em todo o mundo, as emissões de carbono na Amazônia aumentaram 89%. Em 2020, a alta foi de 122% – sempre em comparação com a média de emissões registrada entre 2010 e 2018.

Segundo os pesquisadores, as emissões de carbono da Amazônia nesse período foram comparáveis ao estrago causado em 2010 e 2015/16 pelo El Niño, fenômeno de aquecimento das águas do Pacífico que torna a Amazônia mais seca e, portanto, mais inflamável. A diferença principal é que as altas emissões de 2019 e 2020 foram provocadas basicamente por ação humana, visto que nesses dois anos não foi verificada nenhuma condição climática extrema que justificasse essa elevação.

Durante o governo Bolsonaro houve uma alta nos crimes ambientais. A taxa média de desmatamento observada nos nove anos anteriores foi de cerca de 6,3 mil km2. Em 2019 saltou para 10,1 mil km2 e, em 2020, para 10,9 mil km2, de acordo com dados do sistema Prodes, do Inpe, que fornece a taxa anual de desmatamento da Amazônia. O estudo considera uma área um pouco diferente do Prodes. Assim, para os cálculos de emissões, foi usada como referência uma alta de 79% no desmatamento em 2019 e de 74% em 2020, em relação à média de 2010 a 2018. Já a área de floresta queimada subiu 14% e 42%, respectivamente.

O combate ao desmatamento, por outro lado, caiu. Os pesquisadores destacam uma redução de até 54% na aplicação de multas por crimes ambientais e de até 89% no pagamento das multas. “Agora temos uma situação política que tem um efeito similar a um fenômeno de escala planetária que é o El Niño. Vemos esse resultado com relação direta com o desmonte das políticas públicas ambientais”, comentou o pesquisador Raoni Rajão, também autor do estudo. Ele e colegas da Universidade Federal de Minas Gerais colaboraram no trabalho com a análise do desmonte das políticas públicas de combate ao desmatamento.

Gatti destaca que um dos motivos para o aumento das emissões nesses dois anos é que a região Oeste da Amazônia, que na pesquisa publicada no ano passado tinha aparecido como neutra, nos anos de 2019 e 2020 emitiu mais carbono do que absorveu. O dado foi visto como mais um alerta preocupante de que a Amazônia está sofrendo mais do que se imaginava anteriormente. O lado ocidental, historicamente, foi menos desmatado. Enquanto o Leste perdeu 27% da cobertura original, o Oeste perdeu 11%.

A hipótese é de que a alta das emissões do lado Oeste ocorreu porque o desmatamento subiu especialmente no Sul do Amazonas, onde ficam cidades como Apuí e Lábrea, que têm sido alvo de uma expansão da fronteira agrícola. Em 2021 o estado passou a ser o segundo mais desmatado em toda a região, ultrapassando o Mato Grosso, fato que deve se repetir agora em 2022. Mas a alta vem se delineando desde 2019. “Nossa hipótese é de que as consequências do colapso na fiscalização levaram ao aumento do desmatamento, queima de biomassa e degradação, produzindo perdas líquidas de carbono e aumentando a seca e o aquecimento das regiões florestais”, escrevem os autores no artigo.

Assim como no trabalho anterior, os pesquisadores calcularam o impacto do desmatamento na temperatura local e no nível de chuva. Em 2020 houve redução de 12% na precipitação anual – queda que se concentrou principalmente durante a estação úmida. Janeiro, fevereiro e março tiveram 26% menos chuva. Já a temperatura subiu 0,6ºC nesse período. “Esse dado me chocou bastante, porque no estudo anterior a gente tinha visto um impacto de redução de chuva somente na estação seca, tornando-a mais quente, seca e longa. A Amazônia já estava numa situação muito difícil e piorou quando assumiu essa turma que entrou na Amazônia como uma nuvem de gafanhoto”, disse Gatti, em referência à gestão Bolsonaro.

“O primeiro alerta é que as emissões dobraram com essa liberação do desmatamento promovida por Ricardo Salles (ex-ministro do Meio Ambiente) e por Bolsonaro. O segundo é que o lado Oeste, que era mais neutro – ou seja, onde a absorção de carbono pela floresta compensava as emissões humanas – e mais preservado, também está emitindo carbono. O terceiro alerta é que a estação chuvosa também está começando a mudar. É urgente decretar estado de emergência para a Amazônia, uma moratória para o desmatamento”, defende a pesquisadora.

“Estamos causando grandes alterações, e a possibilidade de a Amazônia atingir o ponto de não retorno é cada vez maior”, diz Gatti, em referência às estimativas de que, a partir de um determinado limiar de desmatamento, a região pode perder as suas funções de floresta tropical – principalmente a capacidade de produzir chuva e absorver carbono – e ficar mais parecida com o nosso Cerrado. “Estamos investindo no colapso climático no Brasil. A ideia de transformar o país em fazenda do mundo vai falir com o Brasil. Vamos destruir a maior vantagem brasileira, além de acelerar as mudanças climáticas”, complementa.

Além de Gatti e Rajão, assinam o trabalho outros 28 pesquisadores de oito instituições brasileiras e estrangeiras, como o climatologista Carlos Nobre, da USP, pioneiro nos estudos sobre o risco do chamado tipping point, o ponto de não retorno da floresta, Britaldo Soares-Filho, da UFMG, e Claudio Almeida, que coordena o monitoramento do desmatamento, e Alberto Setzer, de queimadas – ambos do Inpe.

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