Sabemos que Jair Messias Bolsonaro é o resultado de uma enorme farsa. Sua candidatura em 2018 bem como sua eleição significaram uma tragédia para o Brasil enquanto nação soberana. Este foi um fato execrável de grandes proporções para milhões de pessoas que testemunharam políticas nocivas (algumas até suicidas) de um governo bárbaro, irracional e irresponsável.
Mas como é possível alcançar o poder executivo deste que é um dos maiores países do Mundo tanto em extensão territorial, em número de habitantes, em população economicamente ativa e em riquezas naturais sem antes mobilizar a loucura coletiva como método? Não se alcança esta façanha sem apelar para o Mundo da irracionalidade.
Nos últimos anos (incluindo os anos de Michel Temer), o brasileiro viu seu poder de compra cair, sua qualidade de vida definhar e já no governo Bolsonaro viu as políticas do famigerado projeto “Ponte Para o Futuro” de Temer não só continuarem como se aprofundarem de maneira radical. Para coroar este processo, o brasileiro foi exposto a um representante do poder público alienado do mundo real (um pré-adolescente de mais de 60 anos de idade) corrompido por escândalos de corrupção de sua própria família, uma associação obscura com o crime organizado (milícias paramilitares com envolvimento próximo com o narcotráfico), o encorajamento da violência sectária política entre outros problemas que expõem o Brasil a uma humilhação reiterada dentro e fora do país. Isso é claro, sem contar o negacionismo que levou milhares à morte por minimizar a gravidade do Novo Coronavírus que assolou o país e o Mundo a partir de 2020.
Jair Bolsonaro não é uma obra do azar, um “infortúnio do destino”. Bolsonaro é o resultado de artigos militares do Pentágono, é o resultado de como desestruturar um país por dentro através das formas mais humilhantes possíveis. Artigos militares norte-americanos ou britânicos estudam desde a década de 1990 o papel da “Guerra de quinta geração” como um método importante para neutralizar ou dominar uma nação que eventualmente represente alguma ameaça estrutural no jogo de poder global. A chamada “Guerra de quinta geração”, fenômeno amplamente estudado na Geopolítica e também conhecido pelo termo de “Guerra Híbrida”, uma agressão multidimensional e multimídia de características assimétricas e caóticas possui maneiras altamente criativas para alcançar um determinado objetivo político. O uso massivo de redes sociais, o abuso indiscriminado de fake news, o aparelhamento do poder judiciário como vetor de guerra política (Lawfare), um alinhamento uníssono de ação dos grandes veículos monopolistas de comunicação além é claro da atuação de agentes clássicos de repressão como as forças armadas têm tido êxito em diversos países do Mundo a partir da década de 2010 (iniciando com a Primavera árabe e também com o Euromaidan para citar dois exemplos célebres).
Em 2018, ainda sob os escombros de um Golpe de Estado aplicado no Brasil em 2016 (Golpe aliás que é varrido para debaixo do tapete pelos grandes veículos de comunicação que se esforçam dia e noite para virar a página do famigerado Impeachment que não teve amparo constitucional) o Brasil viu uma eleição altamente polarizada. O candidato mais popular do Brasil, mesmo tendo sido alvo de uma inquisição política e midiática exemplificada pela Operação Lava Jato (hoje mundialmente denunciada como uma operação de Lawfare) liderava as pesquisas mesmo preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Foram necessárias pressões vindas do comando das forças armadas para que o Supremo Tribunal Federal interditasse a candidatura de Lula. A operação para anular qualquer representação da Esquerda (mesmo a mais negociadora e moderada) era uma demanda do Capital financeiro internacional associado a lacaios locais. O intento era de permitir a sustentação da nova rota que se desejava colocar o Brasil, ou seja, a rota da dependência e da exploração intensiva do Capital-Trabalho, além da liquidação econômica do país com a privatização dos ativos econômicos como a Eletrobrás, os Correios, a Petrobrás e outros. Para tal, era necessário garantir a vitória de um candidato alinhado com as teses da Direita Neoliberal ou da Extrema Direita (que também agradava os banqueiros). As eleições de 2018 contaram com um festival monstruoso de fake news onde memes de internet tornaram-se, ao olhar do brasileiro, argumentos políticos sérios. Pequenos bonecos infláveis como o “pixuleco” eram vistos por amplas camadas da população como “argumentos políticos sérios” assim como bonecos infláveis gigantes de Sérgio Moro vestido de militar ou super-homem. Acreditem, coisas que só dialogam com quem não tem a capacidade de superar a superficialidade do Mundo. Aqui vale ressaltar a preguiça de muitos brasileiros em conseguir distinguir o que é um argumento político de uma guerra de imagem e som. As redes sociais popularizaram a política sem debate, a política da torcida de futebol, ritualística, mística, inculta e desprovida de qualquer racionalização. Mesmo porque, afinal de contas, pra que pensar?
A utilização do humor inculto, da manipulação de imagens e sons, o disparo massivo de denúncias falsas e o abuso indiscriminado de falácias teóricas sobre doutrinas políticas e econômicas formou a opinião pública do eleitor médio brasileiro na era das comunicações de massa em rede. Um fenômeno curioso neste sentido foi ver brasileiros que nunca ouviram absolutamente nada sobre Economia Política bradarem apoio público a “Liberalismo Clássico”, “Ludwig von Mises” sem nunca ter tido familiaridade alguma com absolutamente nada a respeito e em grande medida sem saber do que se tratava. Se parecesse anti-esquerda e anti-Lula o bastante, a adesão ao discurso era automática. Estes brasileiros nem ao menos sabem que o Liberalismo Clássico não existe mais na História desde a crise de 1929 e que o “Neoliberalismo” nada mais é do que uma defesa ideológica sem amparo algum na realidade concreta das economias de praticamente todos os países do Mundo, inclusive do próprio EUA. A vitória de Bolsonaro, ele próprio um meme cuja imagem anos anteriores foi forjada a partir de programas humorísticos como “Pânico na TV” é o exemplo máximo do quanto o apelo à irracionalidade teve penetração e sucesso. O humor e os memes davam a impressão de “grande sapiência” de uma pessoa intelectualmente limitada cuja capacidade se resumia a frases de efeito em defesa de generais da Ditadura Militar. Um fenômeno muito similar foi verificado em outras partes do Mundo como Ucrânia, Filipinas, Itália, Inglaterra, Coreia do Sul, Paraguai e muito mais e, em diferentes níveis de aceitação e sucesso, entretanto, acreditamos que no Brasil a situação foi a mais constrangedora.
O fato desagradável de lembrar é que em grande medida o brasileiro é sensível a simplificação das coisas, não é afeito a abstrações mais complexas, seja o tema que for. Esta não é uma condenação da “índole” do brasileiro mas a constatação da triste realidade de um país cujo o acesso à Educação tem sido prejudicado há décadas (se não séculos). Esta situação expõe o povo a mera massa de manobra valiosa do grande poder político e econômico, ou seja, os grandes tubarões do mercado financeiro local e internacional. Usam da ingenuidade do povo para manobrá-lo em direção aos seus interesses de poder. Só mesmo mediante alienação massiva que se consegue colocar o povo pobre contra o próprio povo pobre num espetáculo da miséria moral humana. Lula era e ainda é ironizado nas redes, acusado de ladrão por pessoas cujo padrão moral em muito não inspira o menor tipo de respeito. Que espetáculo deprimente! Mas a elite fica sorridente com estas situações, é assim que se governa sem expor a dominação direta de uma classe sobre outra. Apesar disso tudo, essa alienação toda tem limites estruturais, quando a dureza da vida bate às portas não há espaço para o riso e para a piada. Foi necessário o brasileiro aprender as lições do Mundo real, a práxis, para então entender qual presente e qual futuro se deseja. Hoje as pesquisas demonstram essa tendência quando Lula lidera as pesquisas com relativa facilidade. São indícios de que os últimos quatro anos pesaram.
Neste momento não há muito o que se fazer para contornar a dureza da realidade. A campanha de Jair Bolsonaro derrama fortunas em grande volume de desinformação e slogans, além claro do uso dos memes que satirizam o Partido dos Trabalhadores e Lula. Mas com todo esse esforço (certamente maior que o de 2018 onde nem ao menos no poder Bolsonaro estava) e as campanhas ainda permanecem intactas há menos de um mês do primeiro turno da eleição. Alguns mais exaltados podem alegar que Bolsonaro não é o resultado de um meme de 2018, afinal, dizem os extremistas, “Bolsonaro é a defesa de Deus, da Pátria e da Família”. Pois a verdade nua e crua é que este slogan também é um meme. Bolsonaro não representa sequer um pingo de defesa da Pátria, seu governo expôs o país a uma fragilidade econômica perigosa com a privatização de grandes patrimônios públicos vendidos a preços abaixo de mercado para os tubarões do sistema financeiro internacional. Para impedir a desvalorização do real, o governo de Bolsonaro sob os auspícios de um economista de hospício Paulo Guedes foram queimados muitos milhões das reservas internacionais brasileiras acumuladas em anos de Lula e Dilma, ativos de segurança do país que garantiam um pouco de soberania monetária. Isso sem contarmos o fato de Bolsonaro ignorar por completo o crime que foi, ainda na gestão Temer, vincular os preços dos combustíveis no Brasil aos preços internacionais que faz com que o brasileiro pague caro pelos derivados do Petróleo que o seu próprio país produz. Bolsonaro fez vistas grossas à venda das refinarias brasileiras para acionistas internacionais. A perda das refinarias brasileiras (a BR distribuidora) ainda na era Temer constituiu um crime hediondo contra a pátria, o país perdeu o seu direito de refinar o próprio petróleo produzido no seu litoral, o petróleo do Pré-Sal, que foi celebrado em outras épocas como o elo que levaria o Brasil à sua autossuficiência energética. Esta façanha nacional foi destruída pela ação da Operação Lava Jato, tudo em nome de uma “suposta cruzada cristã contra a corrupção”, uma das maiores mentiras históricas deste país pois as empresas nacionais acabaram sendo destruídas sendo que os próprios agentes da Operação Lava Jato se utilizavam do seu status de poder jurídico para praticar a barbaridade ilimitada, em nome de uma “purificação” ilusória. Nunca é demais lembrar que esta tática suja não é um fenômeno propriamente novo, já era utilizada na Roma Antiga. O “frenesi” em torno da “heroica luta contra a corrupção” sempre foi um jogo propagandístico para se alcançar o poder. Hoje sabemos que Moro e Dallagnol agiram em conluio e em benefício próprio e em benefício de interesses estrangeiros. Foram terceirizados para fazer o serviço sujo, como aliás acontece em muitos outros países do Mundo sob o olhar atônito da população consciente porém de mãos atadas. Mal sabem os brasileiros que a destruição das empresas nacionais era um projeto de eliminação de concorrência já que estas conseguiam avançar em mercados que outras empresas de países poderosos perdiam espaço. Que defesa de pátria é essa?
O Brasil definitivamente não é para amadores, quem possui um mínimo de capacidade de interpretar os acontecimentos dos últimos dez anos têm motivos de sobra para lamentar a rota tomada pelo país. Já que patriota Bolsonaro não é, só sobrou “Deus e Família”. Esta seria uma verdade caso Bolsonaro não estimulasse a discórdia e o ódio político que leva a um clima obscuro de instabilidades permanentes. É necessário lembrar que nos rincões deste país ocorre uma verdadeira guerra ao estilo velho oeste com direito à chacinas de latifundiários organizados a partir da UDR contra camponeses, direita armada contra uma legião de sem-terra que não possui nem ao menos um lote de terras para plantar e trabalhar. Um chefe de estado que estimula e chama a população para o confronto indiscriminado é tudo menos defensor dos ensinamentos do Velho e Novo Testamentos bíblicos. Que defesa de Deus estamos diante? Seria defesa de Deus ou do Diabo? Já que Deus Bolsonaro também não defende, sobrou a “Família”, ou a “Familícia” se preferir. Entretanto, em que pese a carga cafona desta palavra de ordem, nem ao menos a família Bolsonaro consegue ser um ávido defensor haja visto seus relacionamentos controvertidos anteriores, a falta de exemplo e postura em relação aos filhos e a vergonhosa defesa de “imbrochável” num evento que deveria celebrar os 200 anos de Independência do Brasil. Não poderíamos ter tido maior humilhação na História do Brasil como este episódio constrangedor registrado no último 7 de Setembro de 2022. Além tudo, é digno de nota a disparidade de idade entre ele e sua atual mulher, a Michele (ou seria Micheque?) pimeira-dama socialite, que também se vende como “devota evangélica”, num proselitismo revoltante de se ver. Todos com um mínimo de capacidade analítica percebem que o que se busca é a luz dos holofotes.
“Deus, Pátria, Família” são memes também que não conseguirão alavancar a dureza da realidade. O Brasil pode, no próximo mês de Outubro provar que na desagregação econômica e política do país, a luta pela sobrevivência da população (que é a luta elementar das sociedades) não dá espaço para a política de Tik Tok, Instagram e correntes de Whatsapp. A dureza da vida e a estrutura das sociedades mais uma vez destrói a alienação desenfreada do povo. O povo brasileiro foi alertado teoricamente no passado sobre os erros de se votar ou participar da cidadania de forma desleixada e descompromissada, mas nada como a professora chamada “vida”. A experiência prática forja, mais dia, menos dia, a consciência do povo. Agora cientes da gravidade que foi entregar o poder central a um meme de internet, o brasileiro se recorda do tempo em que tinha o mínimo de dignidade, o que é um fato inconteste e não uma defesa ideológica.