Domenico de Masi: Bolsonaro é visto no mundo como medíocre e ditatorial

Domenico de Masi: Bolsonaro é visto no mundo como medíocre e ditatorial

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A democracia está em permanente ameaça e apenas uma educação constante dos cidadãos pode impedir seu desmonte. O alerta é do italiano Domenico de Masi, um dos sociólogos de maior expressão no mundo e autor de diversos livros, entre eles “O Ócio Criativo”.

Em entrevista exclusiva ao UOL, o intelectual examinou a imagem do Brasil no exterior, afirmou que o presidente Jair Bolsonaro é considerado como “medíocre” e com “tendências ditatoriais” e que

Chade: Por qual motivo a democracia vive uma crise no mundo?

De Masi: Precisamos levar em consideração que os países como regime democrático no mundo aumentaram. Por esse aspecto, não há uma crise. Mas nos países democráticos, dizemos que ela está em crise por conta de nossa pressão por uma democracia melhor. No fundo, a democracia está sempre em crise, mas a realidade é que ainda não existe um regime melhor que a democracia, mesmo quando ela está em crise. É melhor uma democracia em crise que uma ditadura.

A democracia sempre enfrentou problemas. Mas, hoje, esses problemas estão relacionados com o rápido desenvolvimento tecnológico. Vou dar um exemplo: para ir de Roma até Paris, tanto o imperador Júlio Cesar como Napoleão Bonaparte teriam levado quase o mesmo tempo. E isso com mais de mil anos de diferença. De Napoleão até nossos dias, nós podemos fazer esse trajeto em duas horas, sem ter privilégios imperiais. Apenas sendo cidadãos.

Ao longo dos séculos, portanto, a organização do estado foi algo constante. De Júlio Cesar a Napoleão, pouco mudou nesse aspecto. Já desde a Revolução Industrial e, hoje, com a sociedade pós-industrial, os problemas se aceleraram. Um relógio, por exemplo, permaneceu praticamente igual por séculos. Hoje, um celular deve ser trocado com frequência. É difícil para a política seguir o progresso tecnológico. Por isso é que, hoje, falamos também da crise da democracia. É uma crise que tem uma relação entre o progresso tecnológico e a capacidade legislativa.

Nesse aspecto, está em crise também a organização da empresa, a família, o adultério. Tudo por conta da tecnologia.

Democracia não estava preparada para redes sociais? Ninguém estava preparado para esse tipo de tecnologia.

Por qual motivo as forças antidemocráticas resistem e voltam a ameaçar o sistema?

Na nossa cultura existem duas grandes tendências: a inovação e a conservação. Essa disputa está em nosso DNA. Por vezes, uma prevalece e, por outras vezes, a outra prevalece. Uma outra divisão que existe é entre o indivíduo e a sociedade. O neoliberalismo coloca o indivíduo como primordial. Já a social-democracia coloca como prioridade a sociedade. Essas duas forças são eternas. Por vezes, vence uma. Por vezes, vence a outra. Por isso, temos uma alternância entre governos menos e mais democráticos.

Mas a democracia não tem garantias para frear forças antidemocráticas?

Depende da relação de forças que tem os cidadãos democráticos e os indivíduos autoritários. O indivíduo que ama a semelhança e o indivíduo que ama a diferença. Essa relação se modifica continuamente, graças à cultura, à capacidade dos líderes políticos e às forças dos partido.

A democracia não está imune ao perigo da ditadura. Para sobreviver, a democracia deve sempre lutar. E lutar pedagogicamente, por meio da formação do cidadão. E isso se faz na família, na escola, na imprensa e nas redes sociais.

E a educação para a democracia tem tido sucesso?

Na Itália não. No Brasil, se vencer Bolsonaro, significa que não teve sucesso. Se perde, significa que existe uma esperança. Mas isso depende dos intelectuais.

Por qual motivo?

Eles são os que ensinam na escola. São os jornalistas. São os que escrevem livros e formam opinião. Aqueles que criam ideias novas. A responsabilidade deles, portanto, é altíssima.

Eles são os que ensinam na escola. São os jornalistas. São os que escrevem livros e formam opinião. Aqueles que criam ideias novas. A responsabilidade deles, portanto, é altíssima.

Qual é hoje a imagem do Brasil no mundo?

A imagem do Brasil no mundo era muito boa a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi ainda mais elevada no primeiro governo Lula. Se manteve elevada no segundo mandato. Começou a ser um pouco mais baixa com Dilma. E depois, com Lava Jato e durante Bolsonaro, a imagem sempre foi muito ruim.

Temos de levar em conta que o Brasil, ao contrário dos EUA, sempre gozou de muito amor pelo mundo. Os americanos têm muito inimigos. O Brasil não tem nenhum inimigo. Uma operação contra as Torres Gêmeas exige um profundo ódio contra os americanos. E isso não existe contra o Brasil. O Brasil é amado. Trata-se de um dos países mais pacifistas do mundo. Em 500 anos, fez apenas uma guerra no exterior. A Itália fez um número incontável de guerras neste período. A imagem é ainda boa. Mas a imagem de seu governo é péssima.

O que contribuiu para isso`?

Começou com a Operação Lava Jato, que deu uma imagem de um país corrupto. Isso aconteceu com a Operação Manos Limpas na Itália também. Durante o governo de Lula, o Brasil e a China foram os únicos países do mundo onde a pobreza diminuiu. Com Bolsonaro, a imagem degringolou completamente. Bolsonaro é considerado em todo o mundo como um líder medíocre, com intenções ditatoriais.

Mas o que representou sua vitória nas urnas?

É importante entender a fraqueza da oposição. No caso específico, do PT, que estava numa situação extrema. Além disso, toda a imprensa foi contra o PT e contra Lula. Depois, houve ainda uma enorme abstenção.

A derrota de Bolsonaro é suficiente para derrotar o bolsonarismo?

Eu disse que a tensão entre a democracia e a ditadura é eterna. Será sempre um perigo para a democracia ser substituída por uma ditadura. No Brasil, abre-se uma possibilidade diferente. Lula de hoje não é o mesmo de Lula presidente. Ele foi preso, fechado. Teve toda a possibilidade de pensar sobre seus erros, sobre seus inimigos, sobre seus falsos amigos. E, agora, se Lula vencer, ele sabe que é a última oportunidade histórica que ele tem para entrar na história com uma imagem positiva. Ele teve o máximo do poder, perdeu tudo, teve a possibilidade de refletir. Não acredito, porém, que os intelectuais brasileiros e a elite serão capazes de valorizar essa ocasião.

Quais são os grandes desafios para o Brasil para os próximos anos?

O mesmo do século passado: a desigualdade social, a educação e a violência. Sob esse problema, temos a questão de corrupção institucional. A organização do estado brasileiro é constitucionalmente corrupto. É uma corrupção legal. Dou um exemplo: um deputado brasileiro tem muito mais dinheiro e muito mais privilégios que um deputado italiano. Isso é corrupção institucionalizada. Como é por lei, é mais difícil de eliminar.

*Jamil Chade/Uol

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