Joaquim de Carvalho – O agente da PF que atrapalhou a investigação do próprio órgão para proteger um dos filhos de Jair Bolsonaro, Jair Renan, é o mesmo que atuava como um dos principais seguranças do então candidato a presidente em Juiz de Fora no dia 6 de setembro de 2018, quando houve o episódio da facada ou suposta facada.
A reportagem sobre esse agente, Luiz Felipe Barros Felix, foi publicada nesta terça-feira pelo jornal O Globo, que, no entanto, não menciona que ele estava ao lado de Bolsonaro quando Adélio Bispo de Oliveira se aproximou, em Juiz de Fora.
Antes da ação em que Bolsonaro se contorce e é amparado pelos que estavam mais próximos, entre eles Felix, o agente da PF tinha se aproximado de Adélio e de um policial militar que estava de camiseta regata e supostamente fazia segurança voluntária.
Numa sequência de fotos tiradas por um profissional do jornal A Tribuna, o principal de Juiz de Fora, parece que Felix conversa com Adélio. Momentos antes, Adélio tinha tentado golpear Bolsonaro, mas atingiu apenas o ar e, em seu esforço, derrubou outro segurança voluntário, que estava de boné.
Uma sequência de imagens, em fotos e vídeo, mostra que o próprio Bolsonaro faz gesto para que todos se acalmem, desce dos ombros de um apoiador e interage com os presentes. Um vídeo mostra que alguém diz algo parecido com “Calma, Adélio”.
A fala, no entanto, foi submetida à perícia fonética, e a conclusão do inquérito é que não é possível identificar a frase exata, em razão de outras vozes e barulho, mas que poderia ser algo como “Calma, velho” ou “Calma véio”.
Alguns minutos depois, no cruzamento do calçadão da Halfeld com rua Batista de Oliveira, houve o episódio que Adélio supostamente acerta o golpe, e Bolsonaro é acomodado no piso de uma lanchonete, com a cabeça quase encostada em uma lata de lixo.
Ali ele esperou alguns minutos pela chegada do carro que usou para viajar do Rio de Janeiro a Juiz de Fora, uma SUV preta, onde estava Carlos Bolsonaro e um motorista. Bolsonaro foi levado para a Santa Casa de Misericórdia da cidade.
Um dos médicos que participaram da cirurgia se apresentou como voluntário e tinha estado com Bolsonaro em um encontro com empresários no Trade Hotel. É o angiologista Paulo Gonçalves, o primeiro a ser homenageado por Bolsonaro, depois de eleito.
Quando Bolsonaro era carregado para o carro, uma imagem mostrou o agente da PF Félix dando um “soquinho” no abdômen de Bolsonaro, supostamente ferido. Na semana passada, o UOL publicou um texto de checagem do Projeto Comprova que considera o “soquinho” tentativa de ajeitar o corpo de Bolsonaro para entrar no carro.
Estranho alguém ajeitar o corpo de outro com a mão fechada. Mas vá lá.
Félix, depois de supostamente falhar na segurança de Bolsonaro, foi chamado para assessorar o delegado Alexandre Ramagem, este nomeado diretor da Abin, ocupando um cargo com lotação no Palácio do Planalto.
A reportagem do Globo informa que a PF tinha começado a investigar Jair Renan havia quatro dias quando o agente Felix foi flagrado na garagem de um amigo do filho do presidente, o personagem trainer Allan Lucena.
Jair Renan e Allan Lucena eram parceiros em um empreendimento, e estariam agindo juntos para abrir as portas do governo federal para um empresário interessado em receber recursos públicos.
Jair Renan e o parceiro teriam recebido carro elétrico avaliado em R$ 90 mil do empresário interessado em favores do governo federal, o que, em tese, caracterizaria crime de tráfico de influência e lavagem de dinheiro.
Conforme contou em boletim de ocorrência, Allan Lucena suspeitava que estava sendo seguido. Quando desceu à garagem de seu condomínio, em Brasília, encontrou o carro que já havia visto pela cidade próximo dele. Pediu ao porteiro que fechasse as saídas da garagem e chamou a PM.
Felix se identificou como policial federal e não foi levado à polícia. Já Allan foi à delegacia, mas, alguns dias depois, acabou desistindo da denúncia. Em depoimento à Polícia Federal, mais tarde, alegou que teve medo de retaliações e afirmou que “se sentiu ameaçado”.
“O objetivo era saber quem estava utilizando o veículo”, disse Felix, em depoimento à PF. “O objeto de conhecimento era para saber se os informes que pudessem trazer risco à imagem ou à integridade física do presidente eram verdadeiros ou não”, acrescentou ele, sem dar mais detalhes da operação.
Ele disse que recebeu “a missão” de um chefe da Abin. O órgão, subordinado ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), no entanto, negou ao Globo que haja registro da operação. Se não foi ordem do GSI, de quem foi?
A imprensa já revelou que o padrinho da indicação de Ramagem para o GSI foi Carlos Bolsonaro, que, no início do governo, se desentendeu com Gustavo Bebianno, então ministro, por conta de seu desejo de criar uma “Abin paralela”.
No relatório encaminhado à 10a. Vara da Justiça Federal em Brasília, a PF considera a ação de espionagem de Felix como agente da Abin interferência na investigação sobre tráfico de influência e pode ter estimulado os investigados (Jair Renan e Allan) a combinarem versões a respeito dos fatos, e conclui que “não há justificativa plausível” para a diligência dele.
“A referida diligência, por lógica, atrapalhou as investigações em andamento posto que mudou o estado de ânimo do investigado, bem como estranhamente, após a ampla divulgação na mídia, foi noticiado, também, que o sr. Allan Lucena teria ‘devolvido’ veículo supostamente entregue para o sr. Renan Bolsonaro”, registra o documento policial, segundo O Globo.
O caso da perseguição do personal trainer Lucena pelo agente da Abin foi retratado no documentário “Fakeadas – Bolsonaro e a guerra contra o Brasil”, que o YouTube censurou.
O filme, de minha autoria, mostrava a fábrica de mentiras montada pelos atuais titulares do Planalto. Fakeadas, como no filme “Bolsonaro e Adélio – Uma fakeada no coração do Brasil” (também censurado pelo YouTube), foi uma palavra usada como sinônimo de farsa.
No documentário, a farsa retratada é a versão do inquérito para os fatos em Juiz de Fora. Adélio não era o militante de esquerda apresentado. Pelo contrário. Embora tivesse sido filiado ao PSOL no passado, defendia bandeiras bolsonaristas, como a redução da maioridade penal e o combate ao projeto de lei que criminaliza a homofobia.
Felix deixou o GSI depois do flagrante na garagem do condomínio de Allan Lucena, e não deu entrevista. Quando eu o procurei, durante a realização do documentário, também não retornou a meu contato.
Logo depois de falar com Lucena, recebi mensagem ameaçadora, registrei boletim de ocorrência na 5a. Delegacia de Polícia do Distrito Federal e manifestei intenção de representar contra o personal trainer, autor da ameaça. Não tive retorno sobre o que fez a Polícia Civil.
*Com 247