Será difícil ele resgatar popularidade, mas a agenda conservadora ganhou relevância e despertou reação, diz Guga Noblat, Metrópoles.
O presidente Jair Bolsonaro aposta num festival de benesses liberadas pelo Congresso para recuperar a popularidade e as chances nas eleições de outubro. Na realidade, está difícil. É o que revela a pesquisa “A cara da democracia”, cujos resultados foram publicados na plataforma Pulso, do Globo. Mais da metade dos entrevistados considera o governo “ruim” ou “péssimo”. Para 60%, a economia piorou sob Bolsonaro. Para 42%, a corrupção aumentou. Os que se sentem decepcionados passam de 52%, e os que afirmam “não gostar de Bolsonaro de jeito nenhum” são mais de 40%.
Tais números desenham uma escalada íngreme para que ele evite a derrota. Ao mesmo tempo, porém, a pesquisa revela que Bolsonaro deixou marcas profundas na sociedade brasileira. Elas perdurarão ainda que ele deixe o poder. A começar pela expressiva parcela daqueles que perderam a vergonha de se dizer de direita (em torno de 30% — ante 16% que se dizem de esquerda).
O público conservador encontrou em Bolsonaro um veículo para representar ideias que sempre estiveram à margem no debate político. Desde o início do governo, cresceu a parcela dos que se dizem favoráveis à pena de morte (de 39% para 41%), e caiu de 50% para 41% a fração favorável a proibir armas de fogo. A militarização das escolas públicas conta com apoio de quase 58%. Causas antes isoladas no plano político agora estão inextricavelmente associadas ao bolsonarismo.
Em política, porém, como na física, costuma valer a terceira Lei de Newton. A cada ação corresponde uma reação no sentido contrário. Os ataques constantes de Bolsonaro à democracia, a campanha insana contra as urnas eletrônicas, a escolha de inimigos imaginários como o Supremo Tribunal Federal (STF) — tudo isso cobra um preço. Enquanto o conservadorismo deitava raízes em setores da sociedade, a crença institucional se fortaleceu.
É verdade que, como no resto do mundo, menos brasileiros dizem preferir a democracia a qualquer outro regime do que no início do governo (59% ante 65%). Mas o sentimento democrático predomina por ampla margem, e os números demonstram que se aguçou na sociedade um movimento representativo de reação aos ataques promovidos pelo bolsonarismo.
A parcela daqueles que confiam nas Forças Armadas caiu de 75% para 69% desde o início do governo, ao passo que os que confiam no STF foram de 55% a 60%. A confiança na apuração das eleições e nas urnas eletrônicas saltou de 53% para 69%, a despeito da campanha mentirosa do bolsonarismo. E a fração dos que confiam em partidos políticos subiu de 28% para 46%.
Num país complexo e plural como o Brasil, causas de matriz liberal conquistaram maior apoio, sobretudo quando dizem respeito a questões individuais. A parcela favorável ao casamento gay cresceu de 45% para 49%; a favorável à adoção de crianças por casais gays, de 46% para 56%. O apoio às cotas raciais subiu de 39% a 43%, enquanto a aprovação à redução da maioridade penal caiu de 77% a 70%.
Seria ingênuo crer que o Brasil sairia o mesmo do governo Bolsonaro. Mais ingênuo ainda, contudo, seria acreditar que a transformação se daria num sentido apenas. No melhor cenário, a democracia sairá fortalecida e robustecida por ter resistido aos ataques — e ainda mais representativa das diferentes ideias e sentimentos presentes num país com tanta diversidade.