Antes de assumir a Arquidiocese de São Paulo, virar cardeal e articular a eleição do Papa Francisco, D. Cláudio Hummes contribuiu para a redemocratização do país.
O religioso era bispo de Santo André quando operários do ABC paulista desafiaram a ditadura militar e iniciaram a maior greve desde o golpe de 1964.
Aos 44 anos, o gaúcho de Montenegro estendeu a mão aos trabalhadores. Seu apoio foi fundamental para proteger o movimento da repressão.
“Os metalúrgicos sabem o que fazem”, disse Hummes em 14 de março de 1979, quando 170 mil grevistas contrariaram o Tribunal Regional do Trabalho e decidiram manter a paralisação por melhores salários.
Não era um momento qualquer. No dia seguinte, o general João Baptista Figueiredo, chefe do temido Serviço Nacional de Informações (SNI), assumiria o poder como o quinto e último presidente da ditadura.
A greve iniciada nas montadoras do ABC se repetiria nos anos seguintes, enfraquecendo o regime e ampliando as pressões pela volta da democracia.
O apoio de Hummes não se limitou às palavras. Ele coordenou a criação de um fundo de apoio às famílias dos operários, que estavam com os salários congelados.
A Matriz de Santo André abriu as portas para receber toneladas de doações de alimentos. O exemplo foi seguido por centenas de paróquias da grande São Paulo.
Em 18 de março, o bispo participou da assembleia no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, e rezou o Pai-Nosso em coro com milhares de trabalhadores.
Na semana seguinte, a PM endureceu a repressão aos grevistas. A ditadura decretou intervenção nos sindicatos e destituiu os líderes do movimento.
Em novo gesto de coragem, Hummes cedeu a casa paroquial da matriz de São Bernardo para que os sindicalistas afastados continuassem a se reunir.
“Os trabalhadores respeitaram com muita dignidade o interior do templo, sem qualquer abuso. Quem não respeitou foi a repressão, que invadiu a nave da igreja e acabou prendendo um sindicalista dentro da sacristia”, contaria o religioso, em depoimento publicado no livro “Catolicismo e sociedade contemporânea” (Paulus, 2013).
O líder do grupo era o metalúrgico Luiz Inácio da Silva, o Lula, que chegaria à Presidência 24 anos depois da primeira greve do ABC.
“Dom Cláudio foi um homem muito simples e muito corajoso”, afirma o escritor Frei Betto, que também ajudou a proteger os sindicalistas.
O autor de “Batismo de sangue” já havia sido preso e torturado pela ditadura quando o bispo decidiu nomeá-lo assessor da Pastoral Operária.
“O presidente da Fiesp pediu que D. Cláudio mediasse a greve dos metalúrgicos, mas ele respondeu que não podia aceitar o convite porque não se julgava neutro. Estava do lado dos trabalhadores”, lembra o escritor.