Reinaldo Azevedo – É cascata, com a todas as vênias, essa conversa de que as prisões preventivas do ex-ministro Milton Ribeiro (Educação) e dos outros pastores que faziam coisas muito pouco pias provam a independência da Polícia Federal, evidenciando que Jair Bolsonaro não mete o dedo na instituição.
Vamos devagar. Polícia Federal investiga, mas quem manda prender é a Justiça. A decisão, no caso, foi do juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal. Deve ter atendido à solicitação do delegado que conduz o inquérito. Sendo assim, pode-se inferir, por lógica elementar, que o delegado fez o que lhe pareceu adequado, sem atentar se era — como é — ruim para Bolsonaro. Independência, pois, do delegado em questão.
CONSIDERAÇÃO PRIMEIRA SOBRE AS PREVENTIVAS
Antes que avance, uma consideração. Não tenho razões para pôr em dúvida, por princípio, as decisões tomadas. Mas, em qualquer caso, sempre tomo muito cuidado com prisões preventivas. O país vive um dos piores momentos de sua história em razão da atuação destrambelhada de setores do MPF, da PF e da Justiça. Fomos empurrados para a desordem legal.
Que aconteceu uma cadeia de crimes no Ministério da Educação, bem, isso já está demonstrado por fatos e números. E criminosos têm de ser punidos quando condenados, segundo o devido processo legal. Para prender antes da condenação, no entanto, existem pré-condições, definidas no Artigo 312 do Código de Processo Penal, com disciplinamento explicitado no Artigo 313.
Se há indícios de que os investigados continuaram a delinquir (contemporaneidade), de que tentam burlar provas ou ameaçar testemunhas (interferem na instrução criminal) ou de que podem fugir, ameaçando o cumprimento da lei penal, então cabe a preventiva. Como não li o pedido da PF nem a decisão do juiz, não posso dizer se considero as prisões justificadas ou não.
O mais difícil nos dias burros que vivemos é fazer com que as pessoas compreendam que, na civilização democrática, prender antes da condenação tem de ser a exceção, não a regra. Prisão preventiva não é antecipação de pena. Nem pode ser. Ou o que se tem é Estado policial. Não me importa quem está no poder. Essa tem de ser a regra.
COINCIDÊNCIAS
Tanto Bolsonaro como José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça (governo Dilma) e titular da pasta durante boa parte da apuração do que se chamou “petrolão” (com a rotina escandalosa de ilegalidades da Lava Jato) dizem que as prisões evidenciam, então, a independência da PF.
Ainda que achem mesmo isso, há contexto. Cardozo foi cobrado por alguns petistas pelo que consideravam assoberbamento de setores da PF. Como o órgão é administrativamente ligado ao Ministério, talvez houvesse a expectativa de alguma interferência… Bem, os 580 dias que Lula passou na cadeia, depois de uma condenação sem provas, e o show de horrores a que se assistiu no lava-jatismo provam que “baguncismo” policial e judicial não deve ser tomado por independência.
Depois de Bolsonaro ter dito que botava “a cara no fogo” por Ribeiro — e é possível que esteja queimado –, restou ao presidente afirmar nesta quarta:
“Que [Milton Ribeiro] responda pelos atos dele. Peço a Deus que não tenha problema nenhum. Mas, se tem algum problema, a PF está agindo, tá investigando. É um sinal de que eu não interfiro na PF, porque isso vai respingar em mim obviamente”.
Vai respingar. E com razão. O ministro era seu homem de confiança, e os pastores eram arroz de festa do Palácio do Planalto, aliados de primeira hora do governo. E há a famosa fala de Ribeiro deixando claro a quem atendia a cada vez que recebia os pastores. Pode não haver a responsabilização penal. Mas há a responsabilidade política.
Noto, antes de avançar, que Bolsonaro é o primeiro a largar a mãos dos aliados. Os únicos que são incondicionalmente defendidos por ele são os filhos. Que reste o recado para todos os seus aliados. O homem é o primeiro a entregar cabeças para tentar se proteger. De volta à questão da independência.
INDEPENDÊNCIA?
Há dois dias, Anderson Torres, ministro da Justiça, mandou um ofício ríspido ao TSE dizendo que a PF fará a fiscalização e auditoria das eleições, provavelmente com programas e instrumentos próprios, sem que se saiba o que isso quer dizer. Ficou no ar um cheiro de intimidação, ameaça e desqualificação do tribunal. Independência?
No Vale do Javari, ainda não se chegou exatamente nem à autoria do assassinato de Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips, mas já se tem uma conclusão: não há mandantes. E isso, por si, é uma aberração. Não acho que sejam exemplos que lustrem a “independência”. Mas também não sei se é “dependência”. Sei que é incompatível com a democracia.
Muito se fala da “independência” da Polícia Federal. O termo requer muito cuidado. “Independente de quê ou de quem?” Que seja, sim, imune às pressões políticas. Mas que não seja tão independente que possa se descolar da lei.
A possibilidade de um delegado/delegada estabelecer uma relação especial com um juiz — falo em tese — e produzir, digamos, “Achados & Inventados” que se transformam em fatos políticos existe. E é preciso que se pense um modo de impedir que isso aconteça. Paulo Maiurino, ex-diretor-geral, propôs uma estrutura parecida com uma PGR no caso de investigação de políticos com foro, em documento enviado ao STF, e foi massacrado. E a proposta era correta.
Fiquemos assim: o delegado que cuida da investigação dos pastores deu mostras de que não se deixa intimidar. Isso:
a: não quer dizer que há um padrão, que se repete em qualquer caso;
b: não exclui o fato de que assoberbamento e protagonismo indevidos possam ser confundidos com independência.
Uma PF que antecipa uma conclusão, antes de fechar o inquérito, como aconteceu no assassinato de Bruno e Dom, não é independente. Independência não é bagunça, autonomia ou, sei lá, solipsismo policial.
*Com Uol