Janio de Freitas: A Amazônia saindo do Brasil

Janio de Freitas:  A Amazônia saindo do Brasil

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Acordo entre Bolsonaro e Musk contraria interesses nacionais

As Forças Armadas estão postas por Bolsonaro, determinados militares e empresários sob um teste que não espera aquele a que responderão nas eleições. Até que o resolvam, estão invadidas por uma contradição interna que as deixa à mercê de interesses descomunais. E nisso arrastam o próprio país, estando em jogo riquezas nacionais de grande importância e a própria segurança territorial brasileira.

É notório que o centro da visão geopolítica dos militares está na presumida ambição dos países-potências de apropriar-se da Amazônia. Ideia fixa no Exército, daí vem o descaso pelas questões ambientais amazônicas e pelos indígenas, predominando a concepção de um território protegido por ocupação de pecuária, agricultura extensiva e mineração. Os Estados Unidos são o motivo maior da suposição militar, apesar de citados apenas em situações de especial reserva, por conveniência até da sedução que suscitam nos integrantes das Forças Armadas.

Bolsonaro e seu governo levaram a aplicação da proposta militar para a Amazônia ao nunca imaginado. Não só em razão da influência do Exército na composição e na orientação governamentais. Há também as facilidades para exploração criminosa da riqueza natural por garimpeiros ilegais, madeireiros idem, contrabandistas, invasores de terras indígenas e do patrimônio público para fazendeiros e agroindustriais. E, criação no atual governo, a interseção de milícias urbanas nessa criminalidade amazônica. Agora se arma o grande avanço. Ou, mais claro, inicia-se a perda da Amazônia.

A reunião de Bolsonaro, vários dos seus generais e uns tantos empresários com Elon Musk não foi para ouvir um dos homens mais ricos do mundo, se não o mais, de extrema direita, grande aliado de Donald Trump. E, nas últimas semanas, presença diária no noticiário com sua duvidosa compra do Twitter. Nem é para se acreditar na informação de que só na quinta (19), véspera do encontro, Bolsonaro decidiu estar presente com seus generais: Fábio Faria, ministro das Comunicações íntimo das transações de Bolsonaro, foi um dos articulares da trama, ou farsa, Musk-Planalto-empresários.

Musk veio ao Brasil para receber, sob as aparências de um acaso feliz, o que levou para os Estados Unidos. É notória a caça de metais preciosos e outros para inovações nas indústrias americanas de carros elétricos e de exploração espacial privada, por foguetes, satélites e telecomunicações. Três entradas no futuro, nas quais Musk é a figura proeminente no mundo.

Como se tudo fossem entendimentos ali mesmo descobertos e consumados, em algumas dezenas de minutos, Bolsonaro comunicou ao país acordos de boca pelos quais ficam contratadas empresas de Musk para monitoramento da Amazônia por satélite; para telecomunicações lá e em outras regiões, e a ele concedido o uso explorativo das informações detidas por órgãos brasileiros sobre o território amazônico, natureza, solo e subsolo.

“Não tem contrato, é um acordo. Vamos facilitar tudo. Com ligeireza e desburocratização” —e por aí foi Bolsonaro, com sucessivas repetições e ênfases. Diante de ministros, dentre eles o Dias Toffoli do Supremo, cidadãos escolhidos, e generais até colaborativos como o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Almeida Baptista Jr., que pôs à disposição de Musk a base de Alcântara para lançamentos espaciais.

O monitoramento é mentira bruta. O país já conta com linhas múltiplas desse serviço. Citações imediatas, o competente Inpe de estudos espaciais, e o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) entregue por Fernando Henrique, em licitação violentada, à americana Raytheon —a “pedido de Bill Clinton”, como informou sem cerimônia alguma.

Acordo de boca para empresas de Musk devassarem, por satélite e por meios terrenos, o maior patrimônio natural do território, sobretudo a sua riqueza mineral, de importância decisiva para o amanhã do país. Acordo de boca, de pessoa a pessoa, sem interveniência de qualquer das instituições oficiais ao menos como consulta. Acordo de boca para interesses estrangeiros fazerem na e da Amazônia o que quiserem, como se o território deixasse de ser brasileiro, passando ao domínio de fato de poderes externos, situação de território ocupado. As empresas americanas no exterior estão sob o compromisso, compulsório, de sujeitar-se ao alegado interesse nacional dos Estados Unidos.

Tal acordo é ato de lesa-pátria. Implica violação de exigências constitucionais, contraria os interesses nacionais permanentes (expressão da linguagem militar) e configura violação da soberania sobre parte do território. É a transformação, do hipotético à realidade pretendida, da visão que por mais de meio século, foi geradora do chamado pensamento geopolítico das Forças Armadas. Até a quinta, 19 de maio. Desde de aí, as Forças Armadas estão em contradição, entre sua premissa orientadora e, de outra parte, a tolerância, ou apoio, ou comprometimento com ação oposta, cometida pelo ex-capitão com o qual se identificam.

O que emergirá da contradição não se prevê, e não cabem otimismos. Nem se sabe o que esperar dos poderes do Congresso desconsiderado e do Judiciário na guarda da Constituição. Sabe-se, isso sim, que a fortuna excessiva e os meios conhecidos e desconhecidos de Musk estarão muito interessados em vitória de Bolsonaro sobre Lula. Aos golpes militares sobreveio o golpe parlamentar contra Dilma; Moro e Dallagnol deram o golpe eleitoral com incentivos externos, e agora prenuncia-se o golpe financeiro-eleitoral. Sempre disseram que o brasileiro é muito criativo.

*Folha

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