O entusiasmo maior é dos que se impressionam com a própria voz para explicar os ataques e suas eventuais consequências.
Não precisamos mais explicar a pandemia, porque essa já cansou. É conflito bélico de novo, é coisa da boa na veia, como nos velhos tempos do faroeste da Guerra Fria.
O desconforto e o constrangimento de parecerem inadequados e pró-ocidente calam a maioria dos inconformados. Restou pouco daquela velha indignação formada sobre tudo.
As esquerdas não sabem direito o que fazer com o gozo de que a velha Rússia está finalmente ganhando uma guerra contra os americanos e os europeus imperialistas e expansionistas. Com Putin, com Lukashenko e com Xi Jinping e com a torcida de Bolsonaro.
Que situação, companheirada. Em nome do que seria o fim do mundo unipolar, comemora-se uma guerra, não com gritos e aplausos, mas com certa euforia na reflexão. Os cérebros estão eufóricos.
Putin acionou restos de uma busca de revanche dos que andavam desencantados desde o fim do poderio da União Soviética. Mas revanche com Putin, cara pálida? Com essa Rússia? Só falta o Rasputin?
É dramático, porque, na euforia de comemorar o novo mundo, do qual Bolsonaro é o bêbado no meio do salão, abraçado ao dono da festa, estamos saudando a guerra.
Ah, mas uma guerra contra os ucranianos não é a mesma guerra contra Gaza, nem a eterna guerra de apropriação da Palestina pelos que têm Jesus acima de tudo, nem tampouco como foi a guerra do Iraque e as guerras permanentes em nome da ‘democracia’ e dos valores ocidentais. Essa não é uma guerra do Vietnã.
É uma guerra contra exploradores. E ainda completam: e a Otan, meu amigo? Ah, sim, e a Otan? Essa interrogação que mais exclama do que pergunta equivale nos últimos dias à cansativa ‘ah, e o PT’ de uma certa direita.
É a Otan, estúpido, dizem e repetem. E repetem também, com longos textos pretensamente jornalísticos, que é uma guerra contra um país de nazistas.
O pensamento médio em torno da guerra e do entusiasmo que provoca é produzido pela geração que traz até aqui as referências do século 20.
Homens maduros e também idosos refletem a partir do que já viram ou viveram. O que temos hoje no debate é essa geração que havia perdido a capacidade de acreditar na ressurreição de ideias redentoras.
E a ideia presente, meu amigo, é a de que estamos, já em idade avançada em muitos casos, a caminho de testemunhar o nascimento do mundo multipolar.
Com guerra, com invasão, com mortes, com refugiados e tudo o que condenamos até aqui, mas que agora é do nosso lado, está certo? Não haveria mesmo outra saída.
A necessidade de refletir, exibir inteligências e vislumbrar cenários é maior do que qualquer sentimento de que deveríamos dizer que não, que não poderia ter sido assim.
Mas a China avaliza tudo, meu caro. Bolsonaro, o bêbado, é apenas o estorvo pisando no vestido da nova aristocracia russa. Bolsonaro não sabe nada, nem de que baile participa, porque entrou ao ver a porta aberta.
Sim, tem a Otan, tem a provocação que Putin enfrentou até agora, a pressão interna por reação, tem os caras que pretendem encurtar o tempo de Putin no poder, tem a força militar que ele não controle incondicionalmente.
E temos claques em toda parte tentando dar sentido ao horror de uma guerra no século 21, não uma guerra civil, mas uma guerra clássica de invasão, enquanto Bolsonaro, bêbado, dança em torno de Putin e berra que Trump logo estará de volta.
A guerra de Putin entorpeceu as esquerdas, e o contingente que poderia reagir se sente constrangido a ficar quieto para não incomodar com seus sentimentos a racionalidade dos explicadores.
Mas é uma invasão, diz Lula, e quaisquer invasões devem ser condenadas. Mas Lula, numa hora dessas, é visto apenas como o contraponto a Bolsonaro.
E o baile segue, enquanto se espera que a qualquer momento Bolsonaro vomite, escorregue no próprio vômito e caia no colo de Nicolás Maduro.
(Originalmente publicado em BLOG DO MOISÉS MENDES)
*Por DCM