Ensaios abordam diferentes aspectos da Semana de 22

Ensaios abordam diferentes aspectos da Semana de 22

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O movimento modernista brasileiro se dividiu em dois modos diferentes de conceber a modernização. De um lado, Mário de Andrade assumiu uma postura “imediatista”, que defendia a incorporação, pelos artistas brasileiros, das linguagens modernas já adotadas nos principais centros europeus. De outro lado, a partir de 1924, Oswald de Andrade propunha uma “mediação”, que consistia em dotar a produção artística feita no País de traços nacionais, condição para a inserção do Brasil no concerto das nações cultas.

Diferenças como essa entre os principais nomes do Modernismo brasileiro são comentadas pelo professor Eduardo Jardim, ex-docente do Departamento de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, no artigo Apontamentos sobre o Modernismo, um dos ensaios que compõem o dossiê 100 Anos da Semana de Arte Moderna de 1922, publicado na nova edição da revista Estudos Avançados, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. Com 352 páginas, a nova edição da revista – de número 104 – traz ainda dois outros dossiês, que tratam da pesquisa na Universidade e dos 60 anos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a Fapesp.

Dez ensaios formam o dossiê sobre o centenário da Semana de 22. Um deles é A Reinvenção da Semana e o Mito da Descoberta do Brasil, assinado pelo professor Rafael Cardoso, docente colaborador do Programa de Pós-Graduação em História da Arte da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisador do Lateinamerika-Institut da Freie Universität Berlin, na Alemanha. Lembrando que, ao longo dos últimos 50 anos, a Semana de Arte Moderna virou “uma espécie de unanimidade intocável, quase sagrada”, ele destaca que aquele evento foi criticado já pelos primeiros modernistas – entre eles Mário de Andrade, que classificou a Semana como precipitada, divertida e “inútil”, e Oswaldo Costa, que na Revista de Antropofagia, em 1929, a considerou um “falso modernismo”. Sérgio Milliet, René Thiollier, Blaise Cendrars, Di Cavalcanti e  Yan de Almeida Prado foram outros nomes que, ao longo das décadas seguintes, criticaram o movimento. “Com tantas críticas e reparos vindos do seio do movimento, cabe a pergunta: em que momento se forjou o mito triunfal da Semana? É comum imaginar que isso só tenha ocorrido em torno das celebrações do cinquentenário em 1972, mas, na verdade, sua formulação intelectual é mais antiga”, escreve Cardoso.

Para o professor, “a narrativa heroica da Semana foi alicerçada nos anos finais do Estado Novo e elaborada, do modo que a conhecemos hoje, logo após o fim dele”. Citando o escritor Silviano Santiago, ele defende que as publicações Testamento de Uma Geração (1944) e Plataforma da Nova Geração (1945) foram decisivas para esse processo. Editados pela Livraria do Globo, de Porto Alegre, os livros são a compilação de inquéritos publicados pelo jornal O Estado de S. Paulo, que tiveram a participação de nomes destacados da intelectualidade brasileira. “Essa enquete representou uma troca consciente da guarda entre a geração de 1918, a que fez o Modernismo paulista, e aquela outra que viria a ser apelidada de Geração de 1945 – responsável não somente por enterrar os ossos da Semana, mas também por reinventar e consagrar sua história.”

Diferentes aspectos ligados à Semana de 1922 se encontram nos outros ensaios do dossiê 100 Anos da Semana de Arte Moderna de 1922. No artigo O Brasil e os Brasis de Mário de Andrade: O Fim do Turista Aprendiz?, o professor Pedro Duarte, do Departamento de Filosofia da PUC do Rio, descreve a ideia de Brasil de Mário de Andrade e avalia a sua atualidade. Baseando-se em Macunaíma e O Turista Aprendiz, de Mário de Andrade, Duarte expõe que o projeto de país concebido pelo escritor modernista, formulado por meio da arte, confiava na mistura étnica e cultural, levando em conta elementos não europeus da formação nacional. “Isso marcou o século 20. Contemporaneamente, porém, tal projeto imaginado foi posto em questão por sua dificuldade de realizar-se concretamente, crescendo a exigência de determinação de diferenças étnicas e culturais não misturadas, que permitam o enfrentamento político direto de injustiças e desigualdades do País.”

Já o professor Eduardo Coelho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em A Memória da Poesia Modernista, lembra que os modernistas brasileiros representam não apenas uma ruptura com a tradição, mas também uma continuidade, como revelam suas relações com a elite aristocrática do café – patrocinadora da Semana de Arte Moderna de 1922 – e com o Romantismo, especialmente o de José de Alencar. “A construção da memória modernista sobre o Brasil é um dos índices mais reveladores desse movimento ambivalente de ruptura e de continuidade com a tradição, destacando-se, nesse processo, o registro do histórico de violência do Brasil colonial, bem como a incorporação da fala brasileira por meio da literatura”, sustenta Coelho.

A relação do poeta João Cabral de Melo Neto com o Modernismo, a troca de correspondência entre Mário de Andrade e intelectuais paranaenses e cearenses, as vanguardas brasileiras e argentinas nos anos 20 e o pensamento de Mário de Andrade e do compositor Heitor Villa-Lobos nos anos anteriores à Semana são temas abordados em outros ensaios do dossiê, que traz ainda textos sobre o vestuário modernista brasileiro e a etnografia em Mário de Andrade.

Capa da nova edição da revista Estudos Avançados – Foto: Reprodução

Revista Estudos Avançados, número 104, dossiês 100 Anos da Semana de Arte Moderna de 1922Universidade de Pesquisa e Fapesp 60 Anos, publicação do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, 352 páginas. A publicação será disponibilizada em breve, gratuitamente, na plataforma Scielo e no site do IEA.

* Vermelho

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