Os jornalões, a exemplo do Estadão, nos sugam todo santo dia para o buraco da distopia ou antiutopia –que significa lugar ruim, sociedade precária, desigualdade, humilhação, sofrimento, desespero, fome, escravidão, enfim.
Reportagem do Estadão, nesta quinta-feira (20/01), aponta um procurador regional com base salarial de R$ 35,4 mil abocanhou no contracheque, em dezembro último, quase meio milhão por conda de penduricalhos.
Segundo a publicação, com a anuência do procurador-geral da República, Augusto Aras, o “extra” permitiu que o procurador regional José Robalinho Cavalcanti ganhasse R$ 446 mil em rendimentos brutos no mês passado.
Abstraindo a questão moral e legal, o que você faria com salário de R$ 400 mil em um mês?
A matéria do Estadão gerou uma catarse geral nas redes sociais unindo tacitamente esquerdistas e fundamentalistas de extrema direita, condenando o supersalário. De repente, uma exceção do ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) virou a regra.
Esses “escândalos” servem para os jornalões distrair o distinto público do que realmente importa discutir, e limitar o campo de indignação.
O Estadão, assim como Folha e Globo, continua bolsonarista na pauta econômica. Aliás, a velha mídia corporativa brasileira funciona como um braço armado de bancos e especuladores. Esses veículos de comunicação têm a missão precípua de garantir o pagamento de juros e amortizações da dívida interna –custe o que custar.
O pagamento de juros e amortizações da dívida somam R$ 2,471 trilhões, o equivalente a 53,5% do Orçamento deste ano.
Nós, brasileiros, ficamos horrorizados com o supersalário de R$ 400 mil do procurador [abstraia a questão moral ou mesmo legal], no entanto, somos cordatos com o roubo de mais da metade do orçamento anual do País. Seria como se, todo mês, 53,5% do seu salário fosse confiscado na folha.
A reportagem do Estadão nos leva à indignação seletiva, o que é ruim para a construção da cidadania plena. Nos limita ao ódio, não ao raciocínio lógico. Tem mais a ver com caça cliques do que com informação –e de quebra, com a blindagem do sistema de especulação vigente.
O modus operandi do Estadão não é uma derrapada, mas uma política editorial que atende à Avenida Faria Lima.
Agora responda se for capaz: o que você faria com salário de R$ 2,471 trilhões em um ano?
*Por Esmael Morais