75% de tudo o que a consultoria Alvarez & Marsal recebe de honorários no Brasil vem de empresas ligadas à “lava jato”. A revelação, publicada pela revista Veja na noite desta quinta-feira (20/1), evidencia ainda mais o conflito de interesses do ex-juiz Sergio Moro, que, depois de deixar o serviço público, foi trabalhar para a empresa que administra a recuperação judicial da Odebrecht.
Segundo especialistas ouvidos pela ConJur, há indícios suficientes para ensejar uma investigação mais profunda da conduta do ex-juiz. Mais especificamente, a ocorrência da chamada “porta giratória”, quando um indivíduo pratica ações no serviço público que causam consequências em determinados segmentos econômicos e, depois, vai trabalhar na iniciativa privada, se beneficiando dos efeitos que ajudou a produzir.
Um dos principais argumentos de Moro e da consultoria é que o ex-juiz na atuava diretamente, na Alvarez & Marsal, nas recuperações judiciais. Para o advogado e ex-conselheiro da Comissão de Ética Pública da Presidência da República Mauro Menezes, esse argumento é “uma atitude maliciosa, para promover simulação de que ele não foi beneficiado pelo que tinha feito anteriormente”.
“A ‘lava jato’, por seu caráter espetacularizado, acabou resultando na inviabilização financeira das companhias investigadas. Por isso, pouco importa se ele trabalhou ou não na área de recuperação judicial. Ele não está impedido de trabalhar com recuperações judiciais, mas sim nessa empresa (a Alvarez & Marsal). O que importa é ele receber o dinheiro de uma empresa que ele favoreceu economicamente”, afirma.
O advogado e colunista da ConJur Lenio Streck também aponta o evidente conflito de interesses. “Tudo é muito estranho. Ou um lance de extrema sorte da empresa em prospectar um ex-juiz. Sim, porque os números são incríveis. A alegoria que cabe é: Moro se colocou antes de uma curva da estrada e espalhou pregos; e distribuiu cartões anunciando a Borracharia A&M — casualmente, onde foi trabalhar como consultor dos borracheiros. Vejam os números: os grande clientes da A&M são empresas que estiveram enredadas na ‘lava jato’. Problema? Não haveria. Desde que o juiz da ‘lava jato’ não tivesse sido Moro.”
Sergio Renault, advogado especialista em improbidade, concorda que há indícios para justificar uma investigação. “A história envolve o juiz, a empresa de consultoria que assessorou empresas investigadas na ‘lava jato’ e depois contratou o ex-juiz. Há indícios que justificam a investigação”, afirma.
Também é o que pensa o criminalista Pierpaolo Bottini, ressaltando que é preciso resguardar o direito de defesa dos acusados. “Os fatos devem ser apurados. Vale lembrar que houve reconhecimento de suspeição no caso, declaração de imparcialidade do magistrado. É preciso que venha à tona todo o contexto no qual se deram os atos, sempre se respeitando o direito de defesa, tão criticado por aqueles que agora dele precisam fazer uso”, opina.
Para Pedro Estevam Serrano, mesmo que se possa questionar a competência do TCU para investigar o caso, como fizeram Moro e a consultoria, é possível dar continuidade à apuração no âmbito criminal, inclusive apurando a relação dos atores com o governo dos Estados Unidos.
“É preciso investigar desde a própria eventual obtenção de ganho indevido de alguém pela atuação da A&M como também a relação da consultoria com entidades do governo norte-americano e se esse governo foi beneficiado indevidamente por algum acordo produzido aqui no Brasil, e se esse benefício recebido de alguma forma interferiu na eventual contratação de Moro. São aspectos que têm de ser investigados no campo criminal e de improbidade pelo Ministério Público e pela Polícia Federal.”
Para o advogado Cristiano Zanin, o caso de “porta giratória” é claro. “Você imagina um jogador tirar a camisa no intervalo e voltar para jogar os outros 45 minutos pelo outro time?”, questiona. Por isso, é essencial que o ex-juiz preste contas à sociedade.
“O conflito de interesse é uma questão extremamente séria, especialmente quando a prática incontestável de lawfare (que foi identificada nas ações desse agente público) teve a capacidade não somente de abalar vidas e biografias, como também interferir em todo o cenário político do país e de devastar as finanças de diversas empresas nacionais. O dever de transparência clama por uma prestação até mesmo voluntária das satisfações devidas à sociedade.”
Marco Aurélio de Carvalho, fundador do Prerrogativas, reforça que Moro tem obrigação de prestar informações. “Talvez ele não tenha se dado conta de que ele saiu do Judiciário e hoje assumiu uma outra dimensão na condição de candidato a presidente da República. Ele continua se comportando como se estivesse blindado pela proteção da toga”, opina.
(Texto originalmente publicado em CONJUR)