Para o chefe da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas, o sociólogo Marco Aurélio Ruediger, a entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao podcast Podpah na quinta-feira (2) e sua grande repercussão podem marcar um novo momento de participação da esquerda nas redes sociais, ambiente que tem sido de domínio hegemônico da direita nos últimos anos.
Em contrapartida, o modelo das lives de Jair Bolsonaro (PL) tem mostrado desgaste, ainda que tenha sido importante, diz Ruediger.
Mapeamento feito pela Dapp/FGV mostrou que a entrevista gerou mais de 310 mil menções no Twitter até a manhã da sexta-feira (3) – o vídeo tinha 5,4 milhões de visualizações no YouTube neste sábado (4).
“As redes, em primeiro lugar, são emocionais, e depois são racionais”, afirma Ruediger.
“O Bolsonaro é um político carismático também, mas não consegue transmitir empatia, principalmente com as camadas que estão sofrendo mais com a crise econômica. O Lula consegue ser muito mais empático ao segmento hipossuficiente, que cresceu muito no Brasil. E isso faz uma diferença grande”, completa.
Nesse sentido, Lula e o PT têm o desafio de trabalhar com a fluidez das redes, entendendo a linguagem do público mais jovem e endereçando pautas que atinjam esses grupos e extrapolem a bolha tradicional da militância, avalia o sociólogo.
@@NOTICIAS_RELACIONADAS@@
Caso consiga, o que Lula mostrou ser capaz de fazer, ele poderá ter “uma alavancagem que não estava no mapa até agora”, diz Ruediger.
“Isso traz um desafio para o Lula e o PT. Usar as redes significa conseguir entender bem como funciona esse ferramental cultural que é distinto dos meios tradicionais. Quando você consegue fazer isso, ganha potencial enorme de vocalização. Mas não pode servir para as mesmas propostas. Vai exigir que haja propostas para o futuro que sejam interessantes para o público que se move mais pelas redes, que é o jovem”, afirma.
Ruediger avalia a participação de Lula no Podpah como “muito forte” e afirma que o petista deu mostras de compreensão da particularidade do meio de interação.
“Ele estava relaxado, brincando, falando em uma linguagem bastante acessível, e ao mesmo tempo tocava em questões bastante sensíveis que o brasileiro vive. É uma outra forma de diálogo. Os entrevistadores [Igão e Mítico] são muito mais jovens, e obviamente têm uma linguagem totalmente diferente, a forma de condução é distinta. O Lula não ficou na formalidade do espaço tradicional de um espaço na televisão. É uma forma de construção, estava muito relaxado e à vontade”, analisa o pesquisador.
Com a compreensão das peculiaridades das redes sociais e a possibilidade de abrir espaço inédito para a esquerda nesse universo, Lula teria a capacidade de transcender a sua bolha e “conversar com os jovens e invadir o centro”.
Bolsonaro, no entanto, vê-se em momento contrário da dinâmica, crê Ruediger.
Ele diz que as lives semanais têm apresentado saturação do formato por uma série de motivos: 1) as notícias do presidente já não são tão auspiciosas, 2) cansaço do público, 3) Bolsonaro não consegue transmitir empatia, especialmente em relação às camadas que mais têm sofrido com a crise.
No monitoramento da Dapp/FGV, Lula no Podpah alcançou mais de 50 mil menções no Twitter por hora, com pico de 10.759 menções às 20h. Na mesma fatia de horário, Bolsonaro teve um pico de 4.050 menções em sua live.
Com esse esgotamento, diz Ruediger, o presidente tem se fechado em seu núcleo de apoio mais fiel.
“A estratégia do Bolsonaro e do campo da direita é falar com a própria bolha, manter esse mínimo sólido e evitar a invasão de candidaturas oportunistas, como a de Sergio Moro (Podemos), que possam invadir a direita e tirar pedaço desse apoio. Eles precisam manter 20%, 25% de apoio para chegar ao 2º turno em 2022”, conclui o sociólogo.
No Podpah, em mais de duas horas de conversa, em clima de descontração, Lula criticou o presidente Bolsonaro, chamado por ele de “anomalia política”, questionou o fim do Bolsa Família e disse que atualmente é “moda se dizer ignorante”.
Ao ser questionado sobre o momento do PT, disse que não se pode “sair da periferia” e que é necessário ir onde está a população.
Sobre a eleição de 2022, reafirmou que ainda vai decidir se será candidato, mas se disse disposto a voltar. Criticou outros possíveis adversários, como João Doria (PSDB) afirmou que, por ser rico, o tucano não tem conhecimento sobre a situação da população.
Também falou sobre a possibilidade de alianças em eventual governo e comparou com as circunstâncias da Alemanha, onde o social-democrata Olaf Scholz só conseguiu um acordo para assumir o poder após conversar com partidos que tinham sido adversários.
Lula, porém, não citou diretamente o nome do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que vem sendo cotado para uma aliança em que seria vice na chapa do petista em 2022.