Por Milton Alves: A crise política na Argentina ganhou mais densidade nesta semana com a carta divulgada pela vice-presidenta Cristina Kirchner na última quinta-feira [16]. O documento expressa o sentimento das bases populares que apoiaram a coalizão Frente de Todos nas eleições presidenciais de 2019, em particular dos grupos mais vinculados ao peronismo popular – lideranças sindicais, de piqueteiros, de movimentos de desempregados e comunales -, que criticam as medidas econômicas adotadas pelo governo do presidente Alberto Fernández — identificadas como de cedência ao macrismo neoliberal.
Alberto Fernández sofreu uma dura derrota nas eleições primárias do último domingo [12], o que demonstrou o descontentamento crescente com os rumos do governo nos últimos meses: inflação, desemprego e a relação com o Fundo Monetário Internacional [FMI] são questões que despertam a ira da povo trabalhador diante da tibieza presidencial.
Mais de dez integrantes do primeiro escalão do governo entregaram os seus cargos, incluindo cinco ministros, e parlamentares peronistas aumentaram o teor das críticas ao presidente Fernández.
A situação atual da Argentina é um reflexo do esgotamento da aplicação do modelo neoliberal, repudiado nas urnas em diversos países da região. A fórmula Alberto Fernández-Cristina Kirchner foi eleita com a expectativa de reverter os anos de desastre neoliberal do governo Maurício Macri.
As tentativas de mitigar a execução do projeto neoliberal não agradaram a maioria dos argentinos e o titular da Casa Rosada amarga forte queda em seus índices de popularidade.
Na carta, Cristina Kirchner insta ao presidente para que respeite e honre a vontade do povo argentino e lembrou que, ao tomar a decisão de propor Fernández como candidato, o fez com a convicção de que era o melhor para o país.
A polarização política em curso na América Latina tem como eixo determinante a luta contra o projeto de recolonização neoliberal — conduzido pelo imperialismo norte-americano em aliança com as classes dominantes locais.
O cenário vivenciado pelos hermanos é um indicador dos limites e do curto prazo de validade das políticas conciliadoras e de frente ampla com segmentos e frações da burguesia liberal.
O recado que vem da Argentina serve também de alerta para as forças de esquerda e populares no Brasil: o combate ao neoliberalismo deve ser o centro da agenda programática e mudancista, uma proposta política capaz de despertar e mobilizar a esperança de milhões de brasileiros, que padecem com o desemprego, a redução de direitos sociais, a fome e o desalento.
*Milton Alves é ativista político e social. Jornalista e autor dos livros ‘A Política Além da Notícia e a Guerra Declarada Contra Lula e o PT’ (2019), ‘A Saída é pela Esquerda’ (2020) e de ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ (2021) – todos pela Kotter Editorial. Escreve semanalmente em diversas mídias progressistas e de esquerda.
*Por Esmael Morais