A esquerda brasileira insiste em seguir o rumo errado em momentos decisivos – mesmo quando os exemplos históricos se fazem presentes. Ao que tudo indica, conhecimento e estratégia sempre desaparecem no calor das emoções. Esse vício é uma característica dominante dos setores da chamada esquerda pequeno-burguesa porque possuem dificuldade em se posicionar dentro da concretude da luta de classes, problemática ainda de difícil compreensão de vários setores. Trata-se de uma estratificação social que, no fundo, defende os interesses da Burguesia mesmo quando da boca para fora declara ser oposição desta. Este fenômeno é relativamente conhecido embora pouco problematizado, estudado ou mesmo discutido no interior da esquerda, seja no Brasil ou fora. Aqueles que se dedicam a uma análise destes posicionamentos políticos confusos – no sentido de apontar seus erros – são taxados de “sectários”, vejam vocês, a mesma acusação que a Burguesia confere à todos que lhe são oposição. Será coincidência?
O problema reside no fato de que os setores que se proclamam de esquerda acabaram, por circunstâncias da própria dinâmica social e econômica integrados organicamente à ideologia dominante, ou seja, são incapazes de compreender não só o sentido real dos acontecimentos políticos como também firmar uma posição forte e assertiva sobre a luta dos interesses da classe trabalhadora. Não à toa que muitos destes setores que defendem posições simpáticas aos neoliberais e de diálogo com a oposição são efetivamente pertencentes às mesmas camadas burguesas. Estes setores enxergam nas instabilidades acirradas da luta de classes uma ameaça aos apanágios dos quais estão inseridos, mesmo que esta inserção no universo burguês seja pequena. Afinal, que “esquerda” é esta? Esta é uma esquerda urbana, universitária, institucional, legalizada, cheirosa e limpinha, ou seja, totalmente imbricada no seio do aparato ideológico de Estado burguês e, portanto, não é capaz de enxergar por completo o sofrimento dos setores mais explorados e pauperizados que, quando reagem fisicamente à Direita apenas se defendem da violência brutal e nazista à que estão submetidos diariamente, ou seja, camponeses assassinados, moradores de rua explorados ou mesmo trabalhadores do setor secundário da Economia (que ainda existem e são uma força política considerável – embora haja a tentativa constante de se negar a existência destas camadas de trabalhadores).
A esquerda pequeno-burguesa antes de se colocar em oposição ao regime precisa aprender a superar as suas próprias amarras históricas. A empáfia destes setores é tamanha que consideram não ser relevante domínio de categorias políticas importantes como “Imperialismo”. Se quer conhecem o termo ou até mesmo “dobram o nariz” para a expressão acreditando tratar-se de uma informação “exagerada” ou “menor”. Vejam o nível! Essa é uma ilustração curiosa de muitos “representantes” da esquerda brasileira, ou seja, a completa falta de conhecimento do próprio Marxismo. Em grande medida, o número de pessoas que se dizem de esquerda e não sabem quem é Marx é um dado extremamente preocupante. Que esquerda temos na atualidade? Não temos uma esquerda com formação política sólida. Não é de se surpreender que muitos dos setores que pregam a oposição pacífica contra a Burguesia foram e ainda são à favor de coisas como invasão americana na Venezuela para “defender a Democracia”, ou mesmo, há setores de esquerda que apoiaram a Operação Iraque Livre (2003-2006) sob as alegações de que os americanos levariam os valores “democráticos” ao Iraque, ou seja, conduziria o diálogo para um regime “ditatorial” e “violento”. Ignoram por completo os crimes contra a Humanidade perpetrados no país após a invasão e que – inclusive – contou com vários “whistleblowers” no Wikileaks dentre os quais, o famigerado crime hediondo de cunho nazista praticado pelos EUA conhecido como “Collateral Murder”. Mas isso não é o importante para esta esquerda, o importante é que Saddam Hussein foi deposto, o ditador sectário que assim foi classificado pela grande imprensa monopolista internacional. A esquerda pequeno-burguesa se deixa cegar pela própria arrogância e empáfia e, quando este fato está associado à falta de formação política sólida, se deixa levar a conclusões absurdas que não nos deixa alternativa se não considerá-los inimigos da classe trabalhadora. Essa ideologia cínica, para não dizer absurda e ignorante é rigorosamente a mesma de quando se prega o diálogo com os Neoliberais para se opor a “um suposto mal maior”. Fatos como esses colecionam-se mundo afora. Não faz um ano que as Eleições norte-americanas trouxeram esta mesma discussão.
Na ocasião, que já foi inclusive convenientemente esquecida por amplos setores esquerdistas, Joe Biden – um dos maiores representantes do Estado profundo americano e pessoa de confiança do aparato repressor norte-americano foi alçado a um status de “herói socialista” contra o sectário extremista Donald Trump. Não precisou mais do que três meses da eleição para que Biden-Harris apresentasse todas as suas credenciais para o Mundo, dando continuidade à política hostil de Donald Trump fora dos EUA e com maior grau de eficiência e periculosidade. Mas está tudo bem, Biden é uma pessoa tranquila, “fala mansa”, “correto”, “científico”, transmite calma. Para a esquerda pequeno-burguesa, é melhor a classe trabalhadora morrer na mão de uma pessoa calma e serena do que pelo raivoso extremista, afinal, vale mais a propaganda e a ilusão do que a realidade.
Quando a dureza da realidade se faz presente e é difícil esconder a índole, a esquerda pequeno-burguesa apela para a criatividade. E como ela é criativa! Abraçar o PSDB nas manifestações contra Jair Bolsonaro é o que alegam ser a estratégia brilhante pura. Para tal evocam o famoso jargão “o inimigo do meu inimigo, é meu amigo”. Seja cinismo ou ignorância, a esquerda não percebe que esta máxima só funciona caso o tal “inimigo do inimigo” não fosse na realidade faces de uma mesma moeda. Por mais que se queira dourar a pílula, os supostos “inimigos de Bolsonaro” que são de Direita não são uma oposição verdadeira ao Bolsonarismo. Quem votou no Bolsonaro no passado era consciente do conteúdo político defendido por ele. O motivo pelo qual existe este racha dentro da Direita nada mais é do que um assunto de aparências. Hoje Bolsonaro tem uma má aparência pública, por isso a Direita vaidosa quer se desvincular no melhor estilo João Dória que se elegeu em 2018 para governador do Estado de São Paulo navegando na onda do Bolsonarismo e hoje se diz opositor deste numa luta do “científico, limpo e responsável” Dória contra o selvagem extremista Bolsonaro. Por que a esquerda insiste em cair nestas armadilhas? Será que Freud explica?
Mas a criatividade não cessa. Sempre há uma razão para as coisas do coração! Uma desculpa famosa para integrar a Direita ao movimento Anti-Bolsonaro é o de acumular força, ou seja, a classe trabalhadora explorada não teria força sozinha. Os partidos e sindicatos não devem nem se quer passar próximos das numerosas e multiplicadas periferias e fazer um trabalho de base, tem mais é que chamar os moradores de Moema, Pinheiros, Itaim Bibi e afins porque estes sim, “numerosíssimos”. Se esta fosse uma verdade empírica, as manifestações de 3 de Julho deveriam ter sido muito maiores que as manifestações de 29 de Maio ou 14 de Junho. Entretanto, estas manifestações foram menores e, quando se trata da Direita, que relevância numérica poderia ser concedida aos movimentos da Direita nestas manifestações? Mas não, a presença da Direita só serviu para que a esquerda pequeno-burguesa defendesse sua honra e criminalizasse os “extremistas” da esquerda que se defendem há anos das atrocidades que a estão submetidos por ação da Direita. Onde queremos chegar afinal? A luta contra o Golpe de Estado no país desde 2016 está em andamento para defendermos os golpistas no final? Como assim?