O governo brasileiro recebeu uma proposta por parte da aliança mundial de vacinas, a Gavi, para aderir ao plano de imunização global com acesso a 86 milhões de doses. A entidade, que administra a Covax Facility, havia feito a sugestão no primeiro semestre de 2020, pensando em uma estratégia para garantir a imunização de 20% dos brasileiros.
Mas, depois de longas negociações, o Brasil optou por não aderir à proposta e comprou apenas 43 milhões, suficiente para imunizar só 10% dos brasileiros. Conforme a coluna revelou em 2020, o volume, pelas regras da Covax, era o mínimo que o Brasil poderia estabelecer na parceria com a entidade.
Agora, telegramas sigilosos revelam as tratativas em relação ao pacote e o reconhecimento por parte do governo de que o Brasil seria beneficiado pela existência do mecanismo. Ainda assim, a opção por arrastar o processo negociador e “ganhar tempo”.
Os dados sobre a oferta fazem parte de um telegrama sigiloso entre o Itamaraty, em Brasília, e a missão do Brasil em Genebra, naquele momento liderado pela embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo.
Os documentos obtidos com exclusividade pela coluna fazem parte de centenas de telegramas que a CPI da pandemia recebeu, ao solicitar dados e troca de mensagens do Itamaraty com seus postos no exterior. Dezenas deles, porém, estão sob sigilo.
Procurados, nem o Itamaraty e nem o Ministério da Saúde explicaram o motivo pelo qual não seguiram a proposta sugerida pelo consórcio.
No dia 2 de julho 2020, o Itamaraty informaria ao posto diplomático do país na Suíça sobre a decisão tomada pelo governo de enviar uma carta à GAVI e formalizar o interesse do país em debater uma adesão à Covax. A primeira reunião da entidade havia ocorrido em abril de 2020 e a ausência do Brasil gerou polêmica. Naquele momento, procurado pela coluna, o governo explicou que tinha “outras parcerias em vista”.
Três meses depois, a opção foi por se aproximar à entidade. Mas também há um relato detalhado do que ocorreu naqueles dias, reuniões e propostas.
“As discussões têm contado com a participação do Itamaraty e dos ministérios de Saúde (MS) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), bem como desse Posto (delegação do Brasil em Genebra), em formato virtual”, diz.
No telegrama, o Itamaraty reconhece que o mecanismo daria “acesso a futuras vacinas contra a covid-19 a preços inferior aos do mercado”. “O mesmo mecanismo serviria para compartilhar riscos entre maior número de países e, ao mesmo tempo, enviar sinais ao desenvolvedores/produtores de que haverá mercado para venda das futuras vacinas”. apontou.
Mas a diplomacia aponta que, depois de ver uma primeira lista das vacinas que poderiam fazer parte do consórcio, houve uma ponderação. “Em análise preliminar, o Ministério da Saúde indicou que as vacinas contempladas encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento, razão pela qual haveria ainda bastante incerteza quanto a seus resultados finais”, explica o telegrama.
No documento, uma lista de nove potenciais vacinas são apresentadas. Elas incluíam a Universidade de Oxford-AstraZeneca, a Clover BioPharmaceuticals, Instituto Pasteur, Universidade de Hong Kong, Novavax, Universidade de Queensland, Moderna, Inovio Pharmaceuticals e CureVac.
Segundo informado por representante da GAVI, os acordos celebrados conteriam cláusulas que “permitiriam a possibilidade de transferência de tecnologia aos países participantes”.
Vantagens claras ao Brasil
No telegrama, o Itamaraty deixa claro que existiam diversas vantagens para o Brasil se o país optasse por fazer parte do projeto, principalmente no que se refere a um “contraponto a negociações bilaterais com empresas farmacêuticas”.
Os benefícios seriam:
I) mitigação de riscos, em cenário de alta incerteza sobre vacinas contra a COVID-19;
II) potencial para negociar melhores termos com múltiplas empresas;
III) melhores condições para garantir determinado nível de acesso a vacinas, em cenário de intensa competição, que tende a favorecer países com maior recursos financeiros
IV) promoção de cenário mais colaborativo para desenvolvimento e distribuição de vacinas;
V) inclusão do país no único mecanismo coletivo;
VI) dividendos para imagem do Brasil no cenário externo.
Naquele momento, o governo explica que a GAVI havia colocado um prazo de até 30 de junho para o envio de carta com manifestação de interesse por parte dos países.
Mas o Itamaraty destacava que “a manifestação não é vinculante e, portanto, não implica compromisso político ou financeiro”. Pelas regras, seria apenas em agosto de 2020 que o país precisaria confirmar sua participação e fazer uma parcela do pagamento.
*Jamil Chade/Uol