Consta no material que os procuradores do MPF em Curitiba estavam preocupados não em como o então juiz Sergio Moro iria recepcionar a denúncia, mas se o grande público acharia forte ou não a acusação feita por Dallagnol naquela que ficou conhecida como a “coletiva do PowerPoint”.
A denúncia contra Lula era a de que um percentual dos contratos da Petrobras foi destinado ao ex-presidente, via OAS, depois que o petista supostamente favoreceu a construtora. O tríplex do Guarujá seria parte do favorecimento ilícito conferido a Lula. A denúncia foi formalmente oferecida em 14 de setembro de 2016. No dia 9 de setembro, o então coordenador da “lava jato” explicara aos colegas quais narrativas deveriam ser adotadas.
“Nossa tese da conta corrente é: a) o dinheiro vinha para a OAS em função de várias obras, INCLUSIVE petrobras, e parte disso foi para Lula. b) dinheiro era dado conforme necessidade, como no caso do JD (provavelmente o ex-ministro petista José Dirceu), e deduzido do valor de propinas devidas, em função do ‘saque’ como em sistema de conta corrente. c) ambas as alternativas estão corretas”, disse Dallagnol.
O procurador, então, levanta dúvidas sobre a primeira narrativa, afirmando que, embora sustentem que o dinheiro repassado ilegalmente a Lula vinha de outros crimes antecedentes, não há prova de que o petista tenha cometido os delitos. “O problema é que não estamos provando os crimes diversos. Acho capenga”, disse.
“A dúvida é o quanto a tese A vale a pena ser abraçada, porque me parece que ela está na introdução da lavagem. Se estamos dizendo que o dinheiro vinha de outros crimes antecedentes também, ou provamos minimamente, ou em parte seria caso de absolvição. Ou seja, seria caso de condenação apenas em relação à parte dos imóveis que veio da PETROBRAS, o que seria uma ‘cota ideal’. A tese ‘A’ é verdadeira, mas não sei se podemos assumi-la como discurso oficial como está na peça”, prosseguiu.
OAS
Às vésperas da denúncia e da apresentação em PowerPoint, Dallagnol também reconheceu não ser possível provar qual percentual dos contratos da Petrobras foi destinado a Lula. A solução dada pelo procurador foi dizer que todo o desvio foi repassado ao ex-presidente.
“O problema é que não temos como definir que % de X que vem da Petrobras, e a dúvida não nos beneficia, pelo contrário. De outro modo, se dissermos que todo o X, 100%, vem da Petrobras, a defesa não alegará que tem um percentual que vem de outras obras. Essa é uma tese de defesa que dificilmente enfrentaremos e, mesmo se enfrentarmos, poderemos dizer que a maior parte de X, pelo menos, vem da PETROBRAS”, disse.
Mesmo com a denúncia considerada “capenga”, Lula acabou sendo condenado por Moro a 12 anos e um mês de prisão. Somente depois da sentença condenatória é que o então juiz, analisando um recurso do ex-presidente, reconheceu não ter identificado nenhum valor da Petrobras enviado a Lula.
“Este juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente”, disse Moro no último ato processual do caso tríplex.
Por fim, conforme mostrou a ConJur em reportagem desta segunda-feira (1º/3), as conversas também mostram que a “lava jato” ocultou conversa envolvendo uma testemunha do caso tríplex temendo que a fala pudesse “encaixar na tese de Lula” de que ele não quis o imóvel.
Para os advogados do ex-presidente, “a ‘lava jato’ sabia que não existia um fiado de prova contra o reclamante (Lula) e muito menos a possibilidade real de sustentar que percentuais de contratos da Petrobras tenham sido destinado a ele, direta ou indiretamente”.
“A despeito disso”, prossegue a defesa, o MPF “levou adiante a empreitada, porque seus membros sabiam que teriam respaldo do então juiz Sergio Moro — que há tempos exigia uma acusação formal contra o reclamante”. “Por isso mesmo, o então ‘juiz’ não apenas recebeu a denúncia, como também condenou o reclamante mesmo sabendo que não havia qualquer valor proveniente de contratos da Petrobras que tivesse sido destinado a ele — o que somente foi reconhecido no seu derradeiro ato do processo, após a imposição da condenação que havia sido predefinida antes mesmo do oferecimento da denúncia.”
A defesa de Lula é feita pelos advogados Cristiano Zanin, Valeska Martins, Eliakin Tatsuo e Maria de Lourdes Lopes.
Sítio de Atibaia
Conforme diálogos de 23 de novembro de 2016, os procuradores também acreditavam não ter bons indícios contra Lula no caso do sítio de Atibaia, em que o petista foi condenado por Moro. Em uma mensagem, o procurador Roberson Pozzobon chega a recomendar que os colegas confiram a “sentença de Moro pra ver se ele contornou” fragilidades da acusação no caso do tríplex. Tanto o caso do tríplex quando o do sítio se valeram de algumas delações em comum.
“Pessoal, questão SUPER URGENTE!!!! Preparando aqui as oitivas de amanhã, percebi que, dos três contratos denunciados na ação do Lula, 2 estão entre aqueles em que o Barusco fala que não recebeu propina! Fala que negociou, mas não afirma que recebeu”, diz Laura Tessler, em referência a Pedro Barusco, ex-gerente da Petrobras.
“Gostaria de sugestões de abordagens para tentarmos contornar esse problema na audiência”, prossegue. Roberson Pozzobon oferece ajuda: “Laurinha, de fato esse é um dos ‘presentinhos’ do Barusco. É importante obter a confirmação dele de que ele solicitou nesses contratos, bem como vale uma conferida na sentença do Moro pra ver se ele contornou essa questão”, afirma o procurador.
*Do Conjur