De acordo com as mensagens, Moro e procuradores acertaram atos processuais e, em conversas pelo aplicativo Telegram, estabeleceram acordos sobre como proceder com a denúncia contra o ex-presidente, meses antes da apresentação formal do caso. A série de reportagens sobre o caso ficou conhecida como “Vaza Jato”.
Essas afirmações, com trechos das conversas, fazem parte de uma reclamação que a defesa de Lula submeteu ao STF (Supremo Tribunal Federal). A conclusão dos advogados de Lula tem como base parte do material apreendido na Operação Spoofing —investigação contra hackers que invadiram celulares dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato—, cujo acesso foi autorizado pelo STF no final de 2020.
Os documentos liberados pelo STF já estão com advogados na Suíça, que agora preparam o pedido de uma consulta ao Ministério Público em Berna sobre a legitimidade da troca de informações e do comportamento dos procuradores.
A meta é a de conseguir acesso aos documentos e arquivos que os suíços repassaram ao Brasil. A suspeita da defesa de Lula é de que a cooperação entre os procuradores tenha ocorrido fora dos canais oficiais, o que poderia anular as provas.
Tanto a Força-Tarefa como os suíços negam a hipótese e afirmam que a cooperação sempre ocorreu dentro das regras. Foi essa cooperação, por exemplo, que permitiu desmontar a rede de contas e pagamentos alimentadas por Eduardo Cunha, e mesmo desvendar o modo de funcionamento da Odebrecht em vários países.
Suíço mantinha contato constante com a força-tarefa de Curitiba
Mas, para a defesa, as conversas poderiam apontar numa outra direção. Na semana passada, a coluna revelou com exclusividade como o ex-procurador suíço, Stefan Lenz, enviou para Curitiba uma mensagem na qual ele oferecia seus serviços como advogado para a Petrobras, indicando que ele deixaria o MP em Berna.
Lenz foi considerado dentro do MP suíço como o “cérebro” das investigações sobre o caso brasileiro. Nos dois anos em que liderou o inquérito, seu trabalho resultou em mais de mil contas bloqueadas com um valor total de US$ 1 bilhão, além de reunir dados sobre Eduardo Cunha, Nestor Cerveró, Henrique Alves, dirigentes de empresas, operadores e doleiros.
Em outubro de 2016, ele rompeu com a cúpula do MP da Suíça. Mas, meses antes, ele já tinha avisado aos brasileiros que deixaria o serviço público e ofereceria seu trabalho para ajudar a estatal a recuperar recursos desviados.
“Eu nunca fui contratado pela Petrobras e nunca ajudei”, disse Lenz à coluna. “Não houve prática ilegal na troca de provas e informações entre eu e a equipe de Lava Jato.”
Visita do ex-procurador à sede da Petrobras aparece em conversas
Agora, em novos trechos das conversas obtidas pela coluna, uma vez mais a contratação do ex-procurador é tratada. No dia 19 de junho de 2017, o procurador Orlando Martello enviou uma mensagem ao grupo da Operação Lava Jato com um aviso: “Lenz fará na próxima quinta-feira reunião na Petrobras. Estão pensando em contrata-lo”, disse. Ele, então, completa a frase: “Querem que eles explorem algo dele nesta reunião?”
O procurador então faz algumas sugestões: “As coisas básicas, como de que forma nós também poderemos utilizar eventual material que ele produzir, já está na lista de questões. Mais alguma coisa?”, questiona.
A coluna perguntou à estatal qual teria sido o motivo do encontro, se Petrobras chegou a fazer uma proposta de contrato a ele, se o suíço prestou algum tipo de serviço remunerado e, caso contrário, o que teria impedido sua contratação.
A empresa, porém, se limitou a emitir um comunicado no qual afirma que a Petrobras “nunca contratou o escritório do advogado suíço Stefan Lenz”. “A Companhia realizou análises preliminares sobre a possibilidade de contratação de um escritório de advocacia na Suíça com conhecimento técnico para contribuir com recuperação de recursos e o adequado ressarcimento dos prejuízos decorrentes dos atos ilícitos dos quais foi vítima”, completou, sem esclarecer se Lenz havia ou não sido recebido.
Em agosto daquele mesmo ano, Lenz seria contratado pelas autoridades do Peru para ajudar na investigação realizada no país andino sobre as transferência da Odebrecht no país e envolvendo três ex-presidentes.
Suíço sugere Odebrecht mudar de advogado para que haja acordo
Em 20 de abril de 2016, uma outra mensagem de Dallagnol ao grupo de procuradores mostrava como Lenz dialogava com frequência com os brasileiros e fazia sugestões até mesmo sobre as operações das empresas sob suspeita.
“Caros, o Stefan (Lenz) me pediu para dizer para a empresa que se quer cooperar na Suíça teria que substituir advogados”, escreveu Dallagnol. “Achei que não caberia dizer isso para a empresa, por isso coloquei a info na mesa e coloquei como algo que eles devem considerar”, apontou.
Lula tenta acesso aos arquivos na Suíça desde 2020
No ano passado, a defesa do ex-presidente pediu à Justiça da Suíça os arquivos originais do sistema de propina da Odebrecht, apreendido por autoridades locais. Os arquivos foram usados pela Lava Jato para apontar pagamentos ilegais da Odebrecht para compra do terreno do Instituto Lula. De acordo com documentos acessados por investigadores brasileiros, Lula teria recebido R$ 12 milhões da construtora como propina.
Mas a defesa do ex-presidente aponta que a denúncia da Lava Jato não toma como base as planilhas originais obtidas pelas autoridades suíças, mas sim uma cópia do material entregue no Brasil pela própria Odebrecht. Advogados dizem, inclusive, que os documentos foram adulterados pela construtora.
Desde o ano passado, a Lava Jato no Brasil informa que os sistemas da Odebrecht foram “obtidos e utilizados regularmente”. “A fidedignidade dos arquivos foi comprovada em extensa análise pericial”, complementou. “Além disso, o assunto já foi apreciado em diversas instâncias do Poder Judiciário, que referendou sua validade e valor probatório”, declarou a força-tarefa em 2020.
*Jamil Chade/Uol