O papa Francisco reafirmou, nesta segunda-feira (30), a doutrina tradicional da Igreja de que a propriedade privada é um direito legítimo, mas não absoluto, porque está subordinado a que todos possuam o mínimo de condições para viver bem. O entendimento está em vários documentos do Vaticano, como o Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI), e foi citado oficialmente pelo papa em sua última encíclica, Fratelli tutti, no ponto 120.
Em mensagem enviada a juízes da África e da América (assista aqui), que participarão nesta terça e quarta de uma Conferência Internacional sobre justiça social e direitos humanos, o papa convidou os participantes do encontro a fomentar, por meio do Direito, uma verdadeira justiça social, tendo como inspiração a imagem bíblica do “Bom Samaritano”. O personagem do evangelho vê uma pessoa caída em uma estrada e, ao contrário de outros que passam sem ajudar, limpa suas feridas e leva o necessitado a um lugar em que possa se recuperar.
Segundo o papa, não se pode perder de vista “o angustiante quadro que uma parte pequena da humanidade vive na opulência, enquanto a uma quantidade cada vez mais numerosa lhes é desconhecida a dignidade e são ignorados ou violados os seus direitos mais elementares”. “Não podemos pensar [no Direito] desconectados da realidade”, insistiu.
Francisco disse que era preciso reconhecer “a tentação tão frequente de desentender-se dos outros, especialmente dos mais débeis”. Tendo em vista o “Bom Samaritano”, afirmou que era preciso “assumir que estamos acostumados a passar de lado, a ignorar as situações até que elas nos golpeiam diretamente. O compromisso incondicional do cristão é fazer cargo da dor do outro e não cair em uma cultura da indiferença”.
Sobre a propriedade privada, o papa lembrou o que está escrito no ponto 177 do CDSI.
“Construamos a nova justiça social assumindo que a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto e intocável o direito à propriedade privada. E sublinhou sempre a função social de qualquer de suas formas. O direito de propriedade é um direito natural secundário, derivado do direito, que tem todos, nascido do destino universal dos bens criados. Não há justiça social que possa cimentar-se na iniquidade que supõe a concentração da riqueza”, disse.
(…) Gazeta do Povo