No último dia 20 de Novembro, dia nacional da Consciência Negra no Brasil, um crime bárbaro num supermercado Carrefour de Porto Alegre abalou o país. Sob circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas, seguranças do supermercado assassinaram sob pancadas e pontapés um cidadão negro – João Alberto Silveira Freitas. Há um caráter racial frequentemente presente em crimes desta natureza uma vez que o Brasil é seguramente um dos países mais hostis à população negra no Mundo tendo sido um polo de exploração colonial escravista no passado. A escravidão no Brasil inclusive deixou marcas profundas em nossa composição social e dinâmica nacional. Uma boa parte da população descendente de escravos e/ou povos nativos acabaram sendo empurrada para um cenário de marginalização social, cultural e econômica. E tal situação foi provocada pelas instabilidades socioeconômicas de um passado violento e obscuro, um passado de superexploração intensiva do território e da força de trabalho.
A superação do racismo no Brasil, assim como em diversos países do Mundo passa obrigatoriamente por políticas incisivas na direção de uma orientação libertadora de fato e não o proselitismo testemunhado de forma tão hipócrita e ultra limitada no cotidiano – inclusive no ambiente Acadêmico. Essa discussão sobre qual é a melhor forma de educar sem repetir os “slogans” ultrapassados e com ares de falsa moralidade existentes é seguramente um dos tópicos mais importantes para o Século 21. É necessário um conjunto prático e teórico apontado para a emancipação do ser humano de todas as amarras e estranhamentos existentes e tal circunstância não é conquistada no modelo de Mundo existente na atualidade – pautado pelo modelo de Estado, ou seja, nas instituições burguesas dominantes e nos aparelhos ideológicos que as compõe. O fim do racismo, assim como de todas as formas de intimidação, humilhação, opressão e violência só podem ser alcançados numa realidade outra, ou seja, “para além do Capital” e para além do Estado burguês. Isso é conquistado através de ações políticas conscientes de suprassunção radical da ordem. Só desta forma que teremos condições de superar o racismo. Do contrário é como querer enxugar gelo. Se criarmos uma sociedade com leis específicas para tudo, chegaremos a um ponto absurdo de hipertrofia do Estado de Exceção porque criaríamos uma sociedade hiper judicializada onde os juízes – elementos ultra parasitários do Estado burguês ampliarão ainda mais o seu poderio semi-divino de decisão, aumentando a diferença e distinção entre pessoas. Ora, o objetivo não é o contrário? Será que iremos criar a Monarquia absolutista dos juízes? A instituição Justiça como a conhecemos hoje é uma “sobrevivente” da História do Estado, ou seja, ela não deixou de existir com as Revoluções francesa, americana e inglesa. Os juízes em grande medida são tributários de uma era monárquica e absolutista da História. Os juízes existem porque ainda são o elo capaz de moldar a sociedade pelo que ela é na ordem econômica vigente, uma sociedade disciplinada e conformada com a hierarquia e a divisão social. A justiça que conhecemos é uma ferramenta de trabalho do Grande Capital. Não há sobrevida ao sistema do Capital em uma sociedade justa de fato, por isso é necessário simular a justiça através de instituições supostamente comprometidas com estabilidade de aparências. O Capital necessita sempre de uma sociedade dividida, é assim que consegue se reproduzir. Não é com a Justiça burguesa que vamos achar que o racismo será superado, do contrário estaríamos completamente loucos!
Esta ideia de que é necessário mobilizar o Estado burguês para atender as necessidades emergentes da sociedade é uma miragem, provocada pelo próprio aparelho ideológico do Estado. Esta discussão é central, senão fundamental para resolver os problemas sociais. Entretanto esta discussão, nestes termos, inclusive, passa anos-luz da sociedade e até mesmo de uma boa parte da comunidade acadêmica e classe política. O não entendimento sobre o que é o “Estado” provoca uma contínua e interminável ilusão de ótica de que o “aparato ideo-político-jurídico” pode ser usado para a Democracia. Isso é um engano, uma ficção de má qualidade. Educar a sociedade para superar os problemas também envolve entender o que é realmente o Estado burguês e o seu papel no decurso da História. O Estado é uma máquina de repressão de um conjunto de pessoas sobre outras, é uma máquina de dominação política e econômica – não importa o quanto na sociedade existam pessoas “boas”, “solidárias”, “bem intencionadas”, “caridosas”, enquanto existir o Estado burguês, suas instituições e todo o seu aparato de dominação sempre prevalecerá – no frigir dos ovos – um estado permanente de distinção de classes, de hierarquias, de divisão e opressão. Como querer acabar com o racismo criando mais arcabouço jurídico? Isso é possível? Pelo contrário, a judicialização excessiva do Estado aumentou o racismo estrutural e institucional. Quantos e quantos negros não foram colocados na cadeia de maneira injusta? Nos EUA, por exemplo, existe uma epidemia de assassinatos de negros por agentes do Estado, ou seja, a Polícia e as cadeias estão repletas de negros e latinos. Não deveria ser o contrário? Uma sociedade que possui um sólido sistema político e jurídico não deveria ser um paraíso na Terra? Ao que tudo indica caminha a passos largos para ser o inferno. Pois é, o aperfeiçoamento do Estado Policial é a capacidade de dominação que este corpo estatal possui de conter as tensões por meio da força bruta e do arcabouço jurídico e político policialesco e punitivista. Quanto mais leis e punições criamos, mais repressão e mais ingerência sobre a liberdade é alcançada. Aí é que está o problema – a solução não é o Estado! A solução é a ação política consciente e organizada das massas, pelas massas e para as massas em prol do fim dos privilégios e do rolo compressor da Burguesia que usa a justiça a seu favor. O caráter histórico da Justiça não foi alterado no período pós-Revoluções burguesas, continua uma instituição de classe para uma classe, nada mais do que isso. Por que deveríamos nos iludir em torno das leis e do “rito institucional legal” sem promover uma ampliação do debate sobre a natureza do Estado? Não importa o quanto queiramos colocar “bons juízes” ou “pessoas idôneas” num cargo público dentro do Estado burguês, todos serão engolidos pelo aparelho ideológico de Estado e, mais dia, menos dia estarão contribuindo para a permanência do racismo, do sexismo, da desigualdade e etc.
Embora aparentemente complexa, esta discussão não é um tema exclusivo de pensadores como o francês Louis Althusser ou Karl Marx por exemplo. Não estamos aqui falando de nada fora de nosso alcance. O problema chamado “Justiça” nos moldes em que ela é praticada na Ordem do Capital está presente diuturnamente no país. Vejamos o quanto os juízes são corresponsáveis pelo genocídio no Brasil. A Operação Lava-Jato que já entrou para a História como uma Operação de Golpe de Estado – comprovadamente inclusive – isso pelas próprias “digitais” deixadas pelo Departamento de Justiça dos EUA que teve grande participação na Operação (não só no Brasil mas também em países vizinhos num escândalo internacional de interferência estrangeira em assuntos domésticos de outras nações) usou o frenesi em torno da “corrupção” para criar as condições políticas favoráveis a um câmbio de regime que apresentava determinados obstáculos ao esquema de dominação e exploração do Brasil no sistema financeiro Global. O que é isso se não o uso explícito da “maravilhosa” Justiça para atacar os direitos econômicos da população? Repare que aí está uma correlação de forças brutalmente desigual. São os juízes e promotores que dizem via imprensa quem é “puro” e quem não é “puro”. A população, refém do seu cotidiano atribulado e de exploração se quer têm condições materiais objetivas para distinguir qual é a informação certa ou qual é a informação errada. A população é bombardeada pelo turbilhão de notícias e informações enviesadas que rolam na grande imprensa e não possui tempo e nem discernimento para criar uma leitura crítica do que se passa. O resultado disso é uma mudança de regime no país que leva o Brasil a uma rota ultraliberal onde cortes criminosos do orçamento público são realizados para que o país e sua população pague pela Crise capitalista. Enquanto as grandes fortunas “descansam” tranquilas, os assalariados trabalham mais horas, mais anos e cada vez mais pauperizados e de forma insalubre para gerar a taxa de mais-valia necessária para que o Grande Capital consiga impor o seu jugo econômico sobre sociedades de países colossais como o Brasil e demais emergentes, abastecendo a lógica do parasitismo financeiro internacional. Nesta situação, triplicam-se os problemas sociais e a população negra que já era marginalizada antes do Golpe, fica ainda mais marginalizada. Ou seja, com mais marginalização, a população negra permanece ainda mais sujeita ao racismo….repare que estamos num beco sem saída no Brasil. Não existe um indicador que se preza que demonstra o fim do racismo no Brasil. Pelo contrário, o cenário político e econômico implantado no país pós-Golpe de 16 só tende a aumentar de forma inédita os problemas históricos de nossa sociedade.
Será que é os juízes que devemos recorrer? É assim que queremos combater o racismo? Fortalecendo o poder “divino” dos juízes que se deixam utilizar como instrumentos de um sistema mafioso sobre a população trabalhadora Mundial para manter seus privilégios e status social? Recorreremos a estes juízes que são capazes de aceitar a interferência de uma potência estrangeira para que o país se adeque a um massacre econômico maior do que já vivia para sustentar e salvar os bancos da crise financeira internacional? Os juízes e o aparato legal são a última coisa pela qual as pessoas deveriam recorrer! Criminosos, acabam por serem os grandes fiadores do aumento do racismo no país! O tema não é simples e não devemos mais tolerar discussões rasas a respeito, pelo menos não mais neste século!
Não é isso, contudo, que a grande imprensa quer, se quisermos tratar de outro setor igualmente criminal. A grande imprensa, outra ferramenta brutal de enganação, manipulação e cabresto ideológico que é sustentada por grandes Conglomerados financeiros globais empunhou a bandeira de defesa de George Floyd nos EUA, do movimento Black Lives Matter e nas suas vertentes tupiniquins, na defesa da vítima do brutal assassinato em Porto Alegre. Isso, curiosamente depois de vários assassinatos de negros terem ocorrido só no ano de 2020 (nem vou incluir os últimos quatro anos). De repente a imprensa em Novembro de 2020 descobriu que o racismo no país mata. Ora, como assim? Ao que tudo indica, um “milagre” aconteceu, a imprensa se converteu ao “HUMANISMO”. Até pouco tempo atrás, a Grande Imprensa foi talvez o principal cabo eleitoral do Extremismo de Direita no país, tendo uma parcela significativa na criação de um clima de ódio para alcançar o objetivo que os elos mais poderosos do país queriam, a mudança do regime para justamente aplicar o choque econômico ultraliberal. Embora a imprensa hoje adote um tom timidamente crítico ao regime de Bolsonaro (nomeadamente um regime de Extrema Direita), a imprensa foi a principal responsável pela ascensão deste regime. Um exame minucioso do noticiário de 2015 até 2018 já tira e qualquer dúvida sobre se a imprensa é ou não responsável pelo Bolsonarismo.
Devemos acreditar que hoje a imprensa está preocupada com a população pobre e negra do Brasil? Se estivesse de fato, jamais teria utilizado o seu poder de influência para insuflar e destilar ódio convocando a população das grandes cidades do país para bater panelas contra o governo do Partido dos Trabalhadores. A imprensa aliás fez e faz vistas grossas ao fato de uma boa parte das manifestações terem descambado para uma violência contra as mulheres também uma vez que o ódio destinado à Dilma Rousseff passou a contar com memes, adesivos, banners e insinuações de natureza misógina. Como acreditar hoje na “santidade” da imprensa? Ora, só mesmo alguém muito inocente para acreditar nisso. Na noite do dia 20 de Novembro e mesmo no decurso de todo o Sábado, dia 21 de Novembro de 2020, o brutal assassinato repercutiu como nunca na Grande Imprensa. Os textos jornalísticos envolvidos chamam a atenção pela aparente indignação dos âncoras e redatores: “um negro assassinado no dia da Consciência Negra, à que ponto chegamos!” Ora, meus caros leitores, a imprensa está preocupada com a morte de um trabalhador negro tendo sido ela a principal responsável pela indigência da população pobre do país? Não devemos cair neste tipo de malandragem discursiva. É necessário DENUNCIAR expressamente e continuamente a imprensa porque dela emana uma boa parte da situação desesperadora à que o povo brasileiro está submetido – inclusive o racismo.
Então, o que há de fato? Vamos para o Mundo real: o Golpe de 2016 já começou a trazer as consequências sociais indesejadas e que colocam em risco a questão da governabilidade. E aqui, não me refiro ao governo Bolsonaro, me refiro ao regime político de conjunto, controlado na realidade pela Burguesia, sobretudo após 2016. À medida que este governo improvisado de Bolsonaro mergulha em crise profunda, perde popularidade a cada dia, mais o risco de instabilidade social aparece. Não era necessariamente esse o objetivo inicial da manobra jurídico-política-militar de 2016 e sim aplicar a política de terra-arrasada na Economia ao mesmo tempo que se consegue “controlar os ânimos”. A operação de estabilização da polarização nacional já foi costurada nas vésperas das Eleições de 2018 quando a burguesia neoliberal apresentou figuras como Geraldo Alckmin do PSDB ou Marina Silva do REDE como candidatos a pacificar o país enquanto um choque ultraliberal e selvagem era aplicado no país, muito similar ao modelo FHC de governança ou até pior. Não colou, nem Alckmin e nem Marina decolaram, a imprensa foi obrigada a apoiar o Bolsonarismo de última hora para salvar a rota original do Golpe de Estado. O Bolsonarismo é uma excrescência típica que surge em países mergulhados em muito confusão política e ideológica e uma população completamente perdida sem saber para que lado atirar e quem é inimigo. Desesperada e confusa, a população abraçou o Bolsonarismo sem levar muito em consideração as consequências sociais e econômicos possíveis a partir deste apoio. Entretanto, como já era previsto, o regime Bolsonaro já derrete e já traz os problemas residuais dele esperados; o aumento da polarização política e a necessidade de se pacificar a sociedade antes que uma crise revolucionária se abra.
É por este motivo que as engrenagens de um novo Golpe midiático e político já aparecem. A ordem é criar uma nova polarização, a polarização Direita “racional” da Direita terraplanista representada pelo Bolsonarismo. É em essência a MESMÍSSIMA tática dos EUA. Todos sabem que Joe Biden é um político da Direita tradicional, neoliberal e criminosa dos EUA, mas em comparação com Trump, Biden virou um “santo”. Ora meus caros, esta é a oportunidade perfeita para se pacificar o país sem que a Direita perca espaço. Nos EUA, essa ala direitista dos Democratas que hoje posam de preocupadíssimos com a causa negra, LGBT e etc aproveitou o clima de revolta em torno do assassinato de George Floyd e as manifestações que se seguiram. Neutralizaram estas manifestações, se apropriaram delas para uso político-eleitoral. Aqui, a Burguesia se prepara com dois anos de antecedência para criar uma aura de que Bolsonaro é o inimigo e cuja salvação será algo como “João Dória” ou “Luciano Huck”. Para tal, criam uma narrativa midiática em que associam o racismo e a divisão social única e exclusiva ao governo Bolsonaro e criam as condições políticas para a Direita Neoliberal tradicional posar de “responsável”, “pacificadora”, “unificadora”. Esta é uma manobra cretina pela qual a esquerda brasileira precisa com todas as suas forças denunciar. Não devemos cair neste mesmo tipo de engodo em que os eleitores e sociedade norte-americana tiveram o desprazer de cair. Os neoliberais são tão racistas e criminosos quanto o Bolsonaro. Querem se desvencilhar da imagem “Bolsonaro”, criatura endossada e apoiada por eles próprios no passado. É preciso se certificar no Brasil que os criadores da criatura arquem com as consequências do que criaram no país. Uma forma de não cair nesta armadilha é só analisar como a imprensa atua de forma cínica e falsa em relação ao noticiário de racismo no país.