Fuga dos foragidos do 8 de Janeiro teve travessia de barco à Argentina e caminhada ao Paraguai

Fuga dos foragidos do 8 de Janeiro teve travessia de barco à Argentina e caminhada ao Paraguai

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Investigados usaram vias fluviais e terrestres para escapar da Justiça brasileira

Investigados e condenados pelo ato golpista do 8 de Janeiro usaram vias fluviais e terrestres, incluindo longos deslocamentos a pé, para escapar da Justiça brasileira e buscar abrigo em países vizinhos, especialmente na Argentina. De acordo com a Polícia Federal, cerca de 180 pessoas que se envolveram na ação antidemocrática ainda estão foragidas.

A empresária Rosana Maciel Gomes, de 51 anos, percorreu quase três mil quilômetros atrás de refúgio. Na tarde da invasão às sedes dos três Poderes, em Brasília, ela foi presa dentro do Palácio do Planalto. No celular, guardava uma série de fotos da depredação. De acordo com as investigações, as imagens mostram que Rosana buscava “a quebra do estado democrático de direito e golpe de Estado, com intervenção militar.

Cerca de dez meses depois, a empresária foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a mais de 13 anos de prisão por crimes como dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa. Para evitar o cumprimento da pena, ela deixou de se apresentar ao Poder Judiciário, danificou a tornozeleira eletrônica que a monitorava e foi embora da casa onde morava em Goiânia com quatro filhos e dois netos.

Em abril, Rosana Gomes saiu do Centro-Oeste rumo a Santana do Livramento (RS), fronteira com o Uruguai. De lá, cruzou para o país vizinho e chegou a Montevidéu. Já na capital uruguaia, tomou o mesmo destino de muitos turistas: pegou um barco e, via Rio da Prata, desembarcou em Buenos Aires. Já na Argentina pediu refúgio à Comissão Nacional para os Refugiados (Conare). Com a solicitação, pretende garantir permanência provisória a ela e familiares, com autorização para moradia, trabalho, estudo e acesso a serviços públicos.

Em depoimento na época, ela negou que tenha compactuado com qualquer ato de vandalismo e afirmou ter ido ao ato para se manifestar de “forma pacífica”.

Além da Argentina, Uruguai, Paraguai e Peru foram destinos das movimentações. Assim como Rosana, pelo menos outras 61 pessoas acionaram o Conare de março até agora. Sob a presidência de Javier Milei, aliado de Jair Bolsonaro, a Argentina passou a ser vista como um país mais seguro para a permanência. Parlamentares bolsonaristas, como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), ex-vice-presidente, já se manifestaram a favor de um “asilo político” aos fugitivos.

Até o momento, 224 pessoas foram condenadas pelo STF por participação nas invasões e depredações. No total, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ofereceu 1.413 denúncias. No início do mês, a PF prendeu 50 alvos que estavam escondidos pelo Brasil, em uma operação direcionada à busca de foragidos.

— Como recebemos expatriados da Venezuela e damos asilo político a essas pessoas, é legítimo que busquemos o mesmo em países vizinhos — defende o advogado Claudio Caivano, que representa dez réus pelos atos que deixaram cidades no interior de São Paulo rumo à Argentina.

A exemplo de Rosana Gomes, a cabeleireira Alethea Verusca Soares, de 49 anos, também usou um barco para sair do Uruguai e chegar à Argentina. Moradora de São José dos Campos, no interior paulista, ela teve um pedido para inclusão na lista da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) encaminhado pela PGR ao STF no mês passado.

Em novembro passado, a cabeleireira havia sido condenada por executar as depredações nas sedes dos três Poderes a 16 anos de prisão, ao pagamento de multa de R$ 47 mil e a indenização por danos morais coletivos.

Segundo determinação do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso na Corte, além do monitoramento eletrônico, Alethea Soares deveria respeitar o recolhimento domiciliar à noite e nos finais de semana e comparecer semanalmente no fórum da comarca onde mora. Ela também ficou proibida de sair do país e de usar redes sociais.

“O descumprimento das medidas cautelares demonstra sua falta de comprometimento com a alternativa que lhe foi concedida”, escreveu o procurador-geral da República, Paulo Gonet, em parecer.

Entre as possíveis rotas utilizadas pelas duas foragidas, está uma viagem de duas horas e 45 minutos feita de ferry boat entre o Mercado del Puerto, em Montevidéu, ao Puerto Madero, em Buenos Aires. Pelo trajeto, há passagens disponíveis na internet por US$ 90, cerca de R$ 500, na cotação de sexta-feira.

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Também moradora do interior paulista, Letícia Santos Lima, de 31 anos, utilizou os meios fluviais para fugir: ao Conare, ela disse ter saído de Taubaté e ido até o Paraguai. De lá, fez de balsa a travessia entre Presidente Franco, margem paraguaia do Rio Paraná, e Puerto Iguazú, margem argentina do Rio Iguaçu.

Ainda respondendo a uma ação penal que tramita no STF, Letícia havia ficado presa no Distrito Federal e, desde fevereiro, estava em liberdade provisória. Em um vídeo postado nas redes sociais, ela disse que deixou o Brasil por ser vítima de “perseguição política”.

“A gente não pode ter o pensamento contrário ao governo que está no poder. Deixei tudo para trás e fui buscar minha liberdade”, argumentou.

Já o autônomo paranaense Moacir José dos Santos, de 52 anos, teria cruzado a pé a fronteira nacional para chegar ao país estrangeiro de destino. Em outubro do ano passado, ele foi condenado a 17 anos de prisão após ter tido material genético encontrado em objetos no Planalto, além de vídeos e fotos da destruição em seu celular.

Na época, para a PF, ele contou que se deslocou a Brasília em um ônibus fretado com mais de 60 pessoas, disse buscar um Brasil melhor e negou ter praticado violência ou danificado bens públicos.

Morador de Cascavel, Santos pode ter usado o extremo oeste do estado como itinerário para passar nos últimos meses por Foz do Iguaçu, onde fica a tríplice fronteira também com o Paraguai, e assim chegar à Argentina.

Apesar de Buenos Aires ser a cidade que abriga a maioria dos que recorreram à condição de refugiado, há brasileiros também espalhados por La Plata, Palermo, Córdoba, Sarandí e Monserrat.

— A liberdade é um direito assegurado em tratados internacionais e na Constituição. Não há crime de fuga em nosso país — diz o advogado Ezequiel Silveira, representante da Associação de Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro.

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